O RUSSO E A PISCA VÃO À FEIRA

“Ao encontro de Raul Brandão”

N- O Russo e a Pisca chegaram

Àquela Feira, feitos gente,

E logo à entrada ficaram

Alegres com o ambiente.

Tocavam os escuteiros

As cornetas e os tambores

A chamar os forasteiros

Que vinham dos arredores.

Houve tréguas de chuvaceiro,

Pois S. Pedro compreendeu,

Os dois chegaram primeiro

E o povo se envaideceu.

R- Olha, Pisca, uma carroça

Aqui no meio da estrada

Até parece aquela nossa

Que puxávamos carregada.

P- Oh, a nossa era maior

E tinha umas grandes rodas

Que quando estava calor

Chiava cantigas de modas.

R- Ai, tu ainda te recordas

Da burreca que eu puxava?

Atada com duas cordas,

Dava-lhe que até zurrava.

P- Olha, deve ser aquela

Olhando pra nós, espantada,

Mas está tão magricela,

Que deve estar esfomeada.

R- Mas tem muito que comer,

Há muito milho e há palha

Se quiser pode escolher

E é feliz, pois não trabalha.

P- Olha, nesta banca aqui,

Fruta e verduras de raça,

Tão frescos que nunca vi,

Será que serão de graça?

R- E ali, que grande cabaça,

É quase do meu tamanho,

Àquela ninguém a abraça

Se a quiser ter para ganho.

P- Olha ali o senhor Prior,

Ele ainda te não perdoou

Roubaste-lhe o pêssego-mor

Do pessegueiro que plantou.

R- Ai, nem quer lá saber,

Eu não lhe fiz mal nenhum

O que eu quis foi comer

Pois ainda estava em jejum.

R- Anda ver a bicharia,

Ovelhas, cabras e um pato,

Há leitões na vacaria

E um burro ainda novato.

P- Olha a bruxa das Portelas,

Estás a ver? É tão parecida,

Punha medo pelas vielas

E complicou-nos a vida.

R- Não a quero voltar a ver,

Foi a nossa maldição

E eu ainda quero crer

Que lhe daremos lição.

R- Olha picaretas e enxadas,

Foicinhas e alviões,

Martelos, forquilhas, albardas,

Mas eu escolheria os piões.

P- Ainda me lembro dos bois,

Ainda me lembro das vacas,

E quando íamos os dois

Pro monte jogar patacas.

A- Olha o Russo, olha a Pisca,

Que bonitos eles estão,

Vinde cá os dois à petisca

Tomai, cada um, um pão.

R- Deixe lá, tia Miquelina,

Ainda não temos fome,

Lá para o fim da matina

A gente vem cá e come.

A- Olha a Pisca, olha o Russo,

Ainda bem que vos vemos,

Já vos passou o soluço

Do medo que vos pusemos?

A- Vinde cá, comei rosquilhos.

Tu, ó Russo, vê se tens juízo

Não te metas em sarilhos

Para não teres prejuízo.

A- Cautela com o Zé do Telhado,

Que anda por aí à espreita,

Se vós não tendes cuidado

Prega-vos uma desfeita.

Z- Alto aí vós, ó garotos,

Não tenho cara de mau

Vinde cá, meus marotos

Largai esse varapau…

Z- Eu cá sou o rei do Marão

Ide comigo lá ter

Pros amigos há sempre pão

E arranjo-vos lá que fazer.

A- Miúdos, vinde a esta banca,

Temos aqui bons petiscos

A comida aqui é franca

E há tudo, menos mariscos.

R- Olha, Pisca, o bando do Gil,

Às vezes fazem-nos rir,

Outras vezes dão ao pernil

Saltitando até cair.

P- Quem será que está a chegar?

A- Sentados numa liteira

Vem um casal de encantar

Que chegou a Nespereira.

R- Ah, é o vizinho Brandão

E mais a sua Angelina…

A- Bem estimados que são

E conhecidos em cada esquina.

P- Fomos sempre seus caseiros

E muito amigos também

Mas passavam os dias inteiros

A escrever, como entretém.

R- Em Portugal Pequenino

Até nos tornámos heróis

E um pouco ao desatino

Andamos pelos sete sóis.

P- Anda, Russo, que é tarde

Temos de ir lá pro Alto

Na lareira o lume arde

E na panela temos caldo.

R- Vamos lá, companheira,

Qualquer dia voltaremos

A alinhar na brincadeira

Que é aquilo que nós sabemos.

R- E sabemos muito bem,

Porque já estou pelo cabelo

De ser conhecido, porém,

Como Russo de Má Pêlo.

N- Passearam assim pela feira,

Bons amigos da vida airada,

Prometendo de alma inteira

Visita mais demorada!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

Nota – As siglas significam:

N – Narrador

R – Russo

P – Pisca

Z - Zé do Telhado

A – Alguém

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 10/03/2016
Reeditado em 10/03/2016
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