ALEGORIA DOS PARDAIS
“Ao coronel Rui Telo"
Que é feito de vós, pardais?
Não vos oiço a chilrear,
Em telheiros ou quintais,
O que estais a preparar
Que não posso adivinhar,
Que é feito de vós, pardais?
O tempo não é propício,
Compreendo muito bem,
Não quereis o desperdício
Nem ser vítimas de alguém.
Como vós não há ninguém
Vasculhando o benefício.
Nos campos e nas aldeias
Não há nada de colheita
Mas vós tendes sempre ideias
Procurando outra receita
Sem à míngua estar sujeita,
Que entre vós é sempre a meias.
Na cidade está um horror
Porque há muita pestilência
E o que fica ainda é pior,
Pois vos rói a paciência,
Na nefanda concorrência
Que vos leva ao estertor.
Pela aldeia há invernia,
Na cidade é muito chato,
Sujeitais-vos à razia
De lutardes taco a taco
Pra fugir do louco gato
E de toda a porcaria.
Pelo campo há lá minhoca,
Se não for ano de semente,
E há insectos, para a troca,
Mas tens medo da serpente
Que vos pode de repente
Descobrir a vossa toca.
Pelo campo e pela cidade
Há corujas e há falcões
Que vos miram com maldade.
Apesar de brincalhões,
São abjectos tubarões
Que vos comem à vontade.
Talvez, porém, na montanha
Será franca alternativa
Mas vossa paixão tamanha
É andardes na deriva
Em busca da fêmea altiva
Que nunca vos é estranha.
Que é feito de vós, pardais?
Que não vos sinto procurar
Algo que nunca rejeitais:
Com os humanos coabitar
Não temendo aproveitar
Qualquer coisa que vejais…
Vinde de novo, ó pardais,
De que é que estais à espera?
Não tenhais medo dos chacais
Que eles não passam de quimera…
E vinde, então, na primavera
Que é bem tudo o que sonhais!
Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA