ALEGORIA DOS PARDAIS

“Ao coronel Rui Telo"

Que é feito de vós, pardais?

Não vos oiço a chilrear,

Em telheiros ou quintais,

O que estais a preparar

Que não posso adivinhar,

Que é feito de vós, pardais?

O tempo não é propício,

Compreendo muito bem,

Não quereis o desperdício

Nem ser vítimas de alguém.

Como vós não há ninguém

Vasculhando o benefício.

Nos campos e nas aldeias

Não há nada de colheita

Mas vós tendes sempre ideias

Procurando outra receita

Sem à míngua estar sujeita,

Que entre vós é sempre a meias.

Na cidade está um horror

Porque há muita pestilência

E o que fica ainda é pior,

Pois vos rói a paciência,

Na nefanda concorrência

Que vos leva ao estertor.

Pela aldeia há invernia,

Na cidade é muito chato,

Sujeitais-vos à razia

De lutardes taco a taco

Pra fugir do louco gato

E de toda a porcaria.

Pelo campo há lá minhoca,

Se não for ano de semente,

E há insectos, para a troca,

Mas tens medo da serpente

Que vos pode de repente

Descobrir a vossa toca.

Pelo campo e pela cidade

Há corujas e há falcões

Que vos miram com maldade.

Apesar de brincalhões,

São abjectos tubarões

Que vos comem à vontade.

Talvez, porém, na montanha

Será franca alternativa

Mas vossa paixão tamanha

É andardes na deriva

Em busca da fêmea altiva

Que nunca vos é estranha.

Que é feito de vós, pardais?

Que não vos sinto procurar

Algo que nunca rejeitais:

Com os humanos coabitar

Não temendo aproveitar

Qualquer coisa que vejais…

Vinde de novo, ó pardais,

De que é que estais à espera?

Não tenhais medo dos chacais

Que eles não passam de quimera…

E vinde, então, na primavera

Que é bem tudo o que sonhais!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 18/01/2016
Reeditado em 18/01/2016
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