POR ENTRE LARANJAIS
No alto inverno da aldeia
Entre densos vendavais
Minha saudade vagueia
Crescendo cada vez mais.
Fresca memória em franja
Numa alma em desatino
Moldou coração de laranja
Desde os tempos de menino.
Eu não me quero lembrar
Das madrugadas da Beira
Com as mãos a enregelar
Agarrado à laranjeira.
Um verdadeiro tormento
Ainda antes do sol nascer
Apanhar laranjas ao vento
De corpo todo a tremer.
Numa noite de invernia
Com a chuva a fustigar
Ia enchendo a cestaria
Para a fruta arrecadar.
Não havendo jornaleiro
Por ser dia de mercado
Descobri-me tarefeiro
Pra dar conta do recado.
Era um negócio que dava,
Naquele tempo à deriva,
Só laranjeiras eu plantava
Sem qu´ houvesse alternativa.
Outro negócio frequente
(O dos vasos de begónias)
Era o desgaste da gente
Entre peripécias e insónias.
Batatas, feijões e pencas,
Alfaces, morangos e peras,
Negociatas de avencas,
Um historial e outras eras.
Mal se falava na escola
Mas ela lá foi andando
Entre a encolha e a esmola
Deu sempre p´ ra ir sonhando.
Se era ou não meritória
Uma tal vida de aperto
Não deixa de ser história
Este vaguear no deserto…
Laranjais, minha aventura,
Meu calvário de virtude,
Com saudade e com ternura
Vive a alma outra saúde!
Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA