POR ENTRE LARANJAIS

No alto inverno da aldeia

Entre densos vendavais

Minha saudade vagueia

Crescendo cada vez mais.

Fresca memória em franja

Numa alma em desatino

Moldou coração de laranja

Desde os tempos de menino.

Eu não me quero lembrar

Das madrugadas da Beira

Com as mãos a enregelar

Agarrado à laranjeira.

Um verdadeiro tormento

Ainda antes do sol nascer

Apanhar laranjas ao vento

De corpo todo a tremer.

Numa noite de invernia

Com a chuva a fustigar

Ia enchendo a cestaria

Para a fruta arrecadar.

Não havendo jornaleiro

Por ser dia de mercado

Descobri-me tarefeiro

Pra dar conta do recado.

Era um negócio que dava,

Naquele tempo à deriva,

Só laranjeiras eu plantava

Sem qu´ houvesse alternativa.

Outro negócio frequente

(O dos vasos de begónias)

Era o desgaste da gente

Entre peripécias e insónias.

Batatas, feijões e pencas,

Alfaces, morangos e peras,

Negociatas de avencas,

Um historial e outras eras.

Mal se falava na escola

Mas ela lá foi andando

Entre a encolha e a esmola

Deu sempre p´ ra ir sonhando.

Se era ou não meritória

Uma tal vida de aperto

Não deixa de ser história

Este vaguear no deserto…

Laranjais, minha aventura,

Meu calvário de virtude,

Com saudade e com ternura

Vive a alma outra saúde!

Frassino Machado

In CANÇÃO DA TERRA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 07/11/2014
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