Piquenique à beira do Tejo
Piquenique à beira do Tejo
Podia ter ido à Mouraria,
ver o Tejo lá de cima.
“Ai, como eu queria
ver o sol brilhar naquelas águas!”
Ou ao Castelo de São Jorge,
ver o gatos, as macieiras...
E a cidade, lá embaixo,
entre os ramos de oliveiras.
Iria de bonde, amarelo!
Pegava na Praça do Comércio,
assim de turistas,
passava pela Alfama.
Talvez o Chiado,
seu comércio ruidoso,
seus cantadores vaidosos,
seus lugares movimentados...
Mas quis caminhar todo o cais
até a torre de Belém,
ver bem de perto o Tejo,
mesmo ouvindo todos os “ais”
da mulher a carregar a cesta,
enquanto puxava os cães.
“Que coisa besta!”,
repetia em lamentações.
“Do lado de lá é a Almada!”,
observava ele,
para amenizar a teimosia.
“Iremos lá, qualquer dia!”
“A pé é que não vou!”,
retrucava ela, e dizia “ai”,
“Ah! Um dia vai!”,
“a pé não vou...”
Eis que, com a discussão,
chegam ao Padrão dos Descobrimentos,
e, de logo ali, ao Jardim da Torre.
“Que era perto, não era não!”
Avenida da Índia,
Avenida Brasília...
Havia, que maravilha!,
um passado glorioso.
Exceto quando o rei medroso,
e pegou a família e fugiu.
O refúgio era o Brasil,
que, até então, para nada serviu...
História muito antiga,
mudemos de assunto, minha amiga,
e olhemos essa arquitetura,
essa nau de pedra dura,
a precipitar-se, imóvel,
por séculos, no rio antigo,
mas sempre novel,
que vai dar no mar.
O Tejo vai para o oceano,
como se mar já fosse.
Assim os marinheiros
já com saudade içam os panos...
E à beira do Tejo, então,
vendo as grandes naus saindo,
alguém dá um adeus desapercebido,
aos que nunca mais voltarão.
À beira do Tejo, agora,
num gramado sombreado,
os dois, muito admirados,
põe-se a olhar a torre.
“Que torre antiga,
minha amiga!
Daqui saiu Cabral, para em abril
chegar ao Brasil!”
E dentro da sacola, também olha:
“Oba! Sardinhas, chouriços...”
Diz o maridinho aguado.
“E belas Patas-de-veado!”
“E pasteizinhos de Belém...”
com gosto, completa a dona.
“Muito quentes,
como convém!”
Mas, ambos, cansados,
os pés descalços, a doer,
logo adormecem,
a roncar e a gemer.
E os cães farejam a bolsa
e o cheiro lhes apetece.
Os donos adormecem,
nãos lhes custa fuçar nas cousas.
A mochila aberta
guarda, na certa,
um tesouro tentador.
E fuçam, pois cachorro é fuçador...
A mulher ainda cochila
E os cães agora também.
O atônito marido dá um grito:
“Comeram tudo da mochila!”
“Até os pasteizinhos de Belém?”
“Pois que faltam coisas!”,
diz, incrédulo, a responder,
como se visse coisa do além.
“Minhas “Patas-de-veado!”
Diz a mulher ao ver
o marido apavorado.
“Estas não! Aqui estão...”
“E como comeram bem!
Até os pasteizinhos de Belém,
que muito quentes,
queimam a língua da gente!”
Disse a esposa, apressada,
enquanto enfiava pela goela
as belas Patas-de-veado amarelas.
Assim, com gosto, lambia a mão.
O marido a chutar o cão
que, há pouco, era seu amigão,
e a assustar a cadela,
que punha o rabo entre as pernas.
Até que bateu a canela
e chamava a mulher,
gritava pra ela:
“Me acuda, está a doer!”
“Ouça! Estão a tocar Nelson Ned!”,
disse a esposa, entusiasmada.
“Mas, isso não me impede
de doer. Passe logo a pomada...”
De repente, porém,
lá pelos lados do convento de Belém,
vinha a música que fazia parar o mundo
e entrar num sonho profundo:
“O que é que você vai fazer
domingo à tarde?”, cantava também,
enquanto pegava a mão da mulher
e com ela dançava em vaivém.
Até que, tão cansados,
sentam, pesados, na grama,
ele já não reclama,
e o cachorro lambe o machucado.
Ele, que se parecia com Saramago,
e muitas vezes era um desaforado,
estava ali, tocado, agora:
“Você me namora?”,
Perguntou à mulher querida.
“Fiquemos na grama deitados”,
respondeu ela, e atrevida,
beijou-o e disse: “Meu namorado!”
Quem ia dos Jerônimos
para a torre de Belém,
ficava atônito
ao ver os dois se dando bem,
aos beijos e abraços,
com pouco caso
dos mil turistas
que lhes faziam vista.
Até que a música parou,
e ele novamente se enfezou,
criou novo drama,
e do colo afastou a dama.
Podia ser uma tarde perfeita,
em frente à Torre de Belém.
Mas ela, e os cães também,
ficaram à espreita.
Estes com o rabo entre as pernas,
ela com o coração partido,
com muita, muita pena
de um domingo perdido.
Parecia aquela mulher
que o marido imaginou,
no muro da torre, a sofrer,
dando adeus ao desconhecido
que nunca viu e nem iria mais ver.
Porque uma vez no mar,
teria de certo morrido,
ou resolveu não voltar.
Afinal é isto a saudade:
essa estranha capacidade
de sofrer como se perdesse
aquilo que jamais se teve.