A LENDA DO SABIÁ
“O cantor emigrante”
Conta uma lenda ancestral
Que a deusa Flora um dia
Ao passar no seu quintal
Quis fazer a vistoria.
Uma flor amortecida
Lamentou-se do deus Sol
Por não aquecer a vida
E não ver o rouxinol.
A deusa mui desenvolta
Estranhou tal nostalgia
Por não ver ali à volta
O pássaro da harmonia.
- Ó Roxo, que é feito de ti?
Porque é que estás ausente
Que ainda hoje te não vi,
Tu que és sempre diligente?
- Minha deusa protectora
Por não ter motivação
Eu vou-me daqui embora
Procurar outra estação.
- Não é tarde nem cedo
Já tinha pensado nisso
Vou-te fazer um bruxedo
Antes que leves sumiço.
- Terás um novo horizonte
Pra acabar a tua manha
Passarás aquele monte
E voarás pra terra estranha.
- Zéfiro, meu confidente,
Leva o Roxo em tua aragem
Tira-lhe a carta de lente
E diz-lhe: boa viagem.
Em manhã de pouca luz
E num desgosto profundo
A sorte logo o conduz
Pro outro lado do mundo.
Aquelas gentes por lá
Ao verem a ave coitada
Chamaram-lhe sabiá
Por ser inda madrugada.
Sabiá olhou em roda
E sentiu-se arrependido
Perdeu a memória toda
E o belo canto esquecido.
Voando acima e abaixo
À procura de um lugar
Foi parar junto a um riacho
Trinando no seu cantar.
Descobrindo a partitura
Na leve água cristalina
A vida tornou-se dura
Naquela longa campina.
Uma araponga encontrou
Com canto atabalhoado
Depressa se apaixonou
Esquecendo o seu passado.
As duas aves casaram
Na mais clara das manhãs
E depressa arranjaram
Muitos outros Sabiás.
Com este encanto e perfil
Foi vencida a tradição
O bom Sabiá no Brasil
Tornou-se Instituição!
Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA