O POETA, A RUA E OS PASSARINHOS
Ah! Andar pelas ruas a compor poemas!
Gosto de fazê-lo e entre outros temas
escolho o cantar dos passarinhos.
O olhar perdido além do azul do espaço,
o verso vai nascendo a cada passo,
no desejo infantil de encontrar ninhos.
Ouço o palrador e indiscreto bem-te-vi
oculto na folhagem, e por aqui e ali
sempre a contar, de onde está, que ele me viu.
E dou-me conta de que o velho joão-barreiro
gargalha, no seu ócio, galhofeiro,
sem saber, depois, do que ele riu,
Se olho a praia, vejo biguás, aos lotes,
crocitando, como graves sacerdotes
em suas negras vestes clericais.
E do arvoredo ali, perto da farmácia,
vem, como se fosse o som de outra galáxia,
o "rock" sideral dos bandos de pardais.
E faz-se vivo, o poema, em tais instantes,
tão cheio de vívidos cambiantes
que tornam impossível, quase, vê-lo escrito.
Tão logo ele é composto, logo está desfeito,
que não consigo guardá-lo no meu peito
e ele se perde, como as aves, no infinito.