AS ÁGUIAS DE MONTEJUNTO
“Memórias da juventude”
Partimos de madrugada
Em busca da Serra Mãe
Burel na bolsa embrulhada
Eis a grande trapalhada
Que relembramos por bem.
Era princípio de Verão
Nas fraldas de Torres Vedras
Uma saqueta com pão
Outra escondendo um melão
Fingindo que eram pedras.
Veredas p´ ra que vos quero
Fomos subindo p´ la encosta
E por um feitio sincero
Fingimos com todo o esmero
Tentar vencer uma aposta.
Demoraremos três horas
Em caminhada frenética
E para lá das demoras
Ia-se comendo amoras
Numa ingénua dialéctica.
Por sorte, mas já sem vento,
Vendo-se o mar lá ao largo
Ficou p´ ra trás o convento
Em desdenhoso lamento
Por não haver muito estrago.
Ó Luís, anda p´ ra frente
Pois o Canastro lá vai
A coisa agora está quente
E não quero que ele tente
Fazer ver qu´ é nosso pai.
Sobe, Delfim, não arrisques,
Deixa-te de cataduras
Que estes nossos arrebiques
Nunca fazem tremeliques
Muito menos mordeduras.
Já fizeste um arranhão
Por entre silvas e mato
Olha que tu, meu Santão,
Ainda vais de arrastão
E todo virado a quatro.
Levas aí teu farnel
Mais umas gotas de vinho?
Mandou-nos ir de burel
O bom Amador furriel
P´ ro sobrado do moinho.
Mal adivinha o dito cujo
Se soubesse da partida.
Ai malandros, jogo sujo,
Far-vos-ia qual marujo
Torcer o pescoço e a vida.
Do Montejunto nem sombra
Soube o Mestre, por tramóia,
Que a fineza lhe ensombra
Uma frustração de arromba
Que o punha de paranóia.
Entretanto, nós na Serra,
Por veredas consumidos
Uns e outros sempre em guerra,
Em fim de tarde na berra,
Íamos ficando perdidos.
Após batermos à sola
Tocámos nosso rebate
Cada um foi de sacola
Caminhando sem bitola
P´ ra esquecer o disparate.
Era já noite chegada
Davam as ave-marias
E nas celas a cambada
Ficou de porta fechada
Sem TV e mordomias.
Esta abalada da gente
Foi tudo menos virtude
Mas serviu-nos de presente
À memória que se sente
Das tramas da juventude!
Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS