Estórias da Menina di Butina
Fragmentos retirados do livro "Estórias da Menina di Butina" de Danielle Terra
A Menina de Butina
(…) Lugar de sonhos perenes,
Envolto em promessas à sombra do ipê roxo.
Onde o sol se contém em queimaduras..
E onde o povo que vive lá,
vive plenamente os sonhos da tarde lilás
ao som do canto da Sabina e da viola doída
que sossega o ímpeto dos homens
e atiça fogo no bem querer das mulheres.
Mas indiferente aos ritos adultos do lugar,
está à menina,
Com vestido de chita e botinhas marrons
catando vaga lumes, brincando com os cães danados
que em sua presença são vassalos da princesa do Vale.
E após um suspense de filme mudo,
Ela aparece para as crianças do lugar,,
Trazendo suas brincadeiras secretas,,
ciranda com raios de luz...
contos de faz de conta...
a careta mais medonha...
a delícia das balas de coco que aparecem do nada..
Ensina os pequenos a entrarem em seus próprios sonhos.
Na quele lugar eu pousei meu coração faminto de paz..
e entendi o que a paz queria de mim...
Queria que eu só visse com meus próprios olhos..
A verdadeira luz do lugar...
A menina de Butina.
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Dia de Maria
Dedicado à Vó Vilma. Sem ela não existiria a menina.
Rabo do fogão a lenha
Esquenta Maria de mansinho...
Fogo ferve água pro chá de cidreira
De noitinha dorme escuta sapo no brejo
Cedinho Maria amanhece dia
Boiada segue de fileira
Sol aponta no alto
Maria avista lá longe
Vento faz redemoinho de poeira
Solidão chega ditardizinha
Maria sonha, escuta Ave Maria no rádio
Busca lenha no terreiro
Rabo do fogão
Esquenta Maria de mansinho
Fogo ferve água pro chá de cidreira
E lá vai Maria, mais um dia...
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Entrelaçadas pernas de Garça
Lembro de uma menina de pele branca,
olhos tristes, sorriso largo e pernas compridas
que se exibiam desengonçadas pelo serrado
catando flores singelas que brotavam do pedregoso.
Outras vezes essas mesmas pernas se encaixavam e se tingiam
no barro vermelho da beira da represa.
A menina se mantinha assim:
Se perdendo entre as flores áridas
ou debruçando suas pernas no barro úmido
para depois modelar sonhos com as mãos.
As pernas da menina cresceram
e suas mãos aderiram um tom de poeira vermelha e leve.
No rosto, sardas de sol,
nos olhos mais um tanto de tristeza romântica,
dessas que a gente lê em livros e acha bonito.
Seu sorriso ganhara um tom de palavra soletrada.
A menina continua com seus sonhos de cata-vento
E a paz impregnada na pele...
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Ela esconde olheira enquanto colhe flor
Olhos atentos caminham lado a lado
Aos cantos escuta passarinho:
Bem-ti-vi! Bem-ti-vi!
Também a viu Saíra, Andorinha, Sanhaço...
Saia rodada vento balança, levanta!
A lua ilumina a estrada dela!
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Preguiçosa na sombra da Sucupira
Num pedaço de chão guardei algo
da menina com rosto grudado no quadro
pregado na parede de adobe daquela casinha do pé da serra.
Disse preu guardar e fazer barro depois...
Tudo criei naquele chão...
Sonhei, brinquei, tive filhos, amei,
Chorei, feliz, fugi, voltei, gozei, me alegrei...
Embora, pois, fui...
Ainda guardo seu agrado,
alegremente tristonha como qualquer
pedaço de chão abençoado por água.
Nada que me parca nunca me teve a não ser a terra que me pariu.
Com água misturei e me batizei
Mais tarde poeira, depois barro, tabatinga...
Na terra rasgada me perdi: Voçoroca, ai de mim!
Hoje sou amor, vestígios de sonhos envelhecidos e acriançados.
Careço da terra, às vezes empoeirada, seca, outras, cheirosa de chuva.
Cultivo folhas caídas de manacás que se contorcem e seguem luz.
Agora encostada no chão,
na sombra preguiçosa da Sucupira, em cada gesto sinto vida.
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Ângelus
À Milton Nascimento
Se deita o sol atrás da serra
Descansa manso em seu leito corado
A menina se despede do dia
Segurando seu cata-vento
Num arquejo manso corre contra o vento
São seus sonhos espalhados por ai...
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Historinha de beirada de rio
Para um homem grande, meu pai
Como pode um peixe vivo viver fora d’agua fria?
Lambari passou de jeito nas águas do rio
Falou baixinho pras pedrinhas que a corrente lapidava:
Pescador ta correndo miúdo
Relampejô lá por cima, céu até tremeu
História que pai contava:
Criança que engole lambari filhote vivo
Aprende a nadar que nem corisco!
Menina de perna de garça engoliu o coitadinho
Voou, voou, voou...
Como poderei viver, sem a tua sem a tua companhia?
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Poeminha pra Agosto
ditardizinha tudo se resume em céu
garça branca num salto solta asa e canteia
viola rasa faz ponteio...
agosto paira de ventania
sariema canta que chuva lá vem
ipê despeja em flor
terra do chão beija a cor...
saracura no brejo se entorta bicando chão
umbaúba esbranquiçô...
vento, vento que assovia,
traz semente leve cá prêsse coração
que só bate cumdum...
fenece...
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Envergadura da Terra
A terra se desdobra com sua envergadura
Mostra aos homens que nada existe além do amor.
No ventre manso daquela menina
Que nunca viu um arranha-céu
Flutua um ser de pele macia
Madurado em leite de planta nova
Nada em ti se completa por saber de natureza
Que tudo está em constante mudação quando se ama
Quando se ama de amor natural e bom...
A menina espera de mansinho
O galho ainda fino do Flamboyant
Quase entrando pela janela de seu quarto...
Pede baixinho pro céu lá de cima:
- Chove mais nuvem branca, fica cinzenta bem grandona!
Amor mais igual não se vê por essas bandas...
Na envergadura da Terra
Amor é coisa invertida de amor...
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Ser (tão)...
...à Guimarães Rosa
Pensar na fruta
Sem lembrar a vida...
O que há no sal
Sem a loucura do mar...
O que há no céu
Sem o pingo de sol...
Naquele chão, crianças tristes
Pedem perdão por terem nascido...
Perdão a quem?
Penso em Diadorim...
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Marias, Cedros, Sabiás e Rodamoinhos...
Ela caminha num silêncio manso,
Enquanto passa pelas coisas que se soltam da vida.
Em meio a marias, cedros, sabiás e rodamoinhos,
Imagina um salto que a leve para um lugar distante, onde o céu se abra em paz.
Hoje, por pouco, segue numa tristeza crescida.
Tristeza de planta arrancada da terra e movida para outro chão.
O amor salta do peito da menina,
Feito salto de sapo grande no brejo!
Seu olhar segue sem confundir muitos detalhes...
Sempre em frente, num círculo vadio, indolente e sem jeito...
A menina vai! Ergue o corpo e num suspiro leve
Percebe que tudo é simples além do que existe.
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O ultimo poema da Menina de Butina
Cansada de olhares doces para si
ao buscar desejos ainda inexplorados
em sua vida matutina,
a menina trocou suas botinas
por espartilhos
Fim.