A VIDA, NA JANELA

Muitas foram as vezes

em que fiquei a olhar para o papel,

e a caneta, na minha mão,

tombada e quieta,

era só um peso confortável,

no meio daquela ânsia de gritos,

daquela raiva muda

de sonhos aflitos,

coisas por fazer,

montanhas por escalar,

prazeres e mitos...

Foi um tempo. Depois, mudei.

Hoje, os poemas são sentimentos

bafejados nos vidros

duma janela.

Não de uma janela qualquer,

mas da minha janela,

onde se reflete a vida.

Nela,

o mar anuncia estrelas rubras,

em passes de mágica universal.

Por sobre as pedras,

lisas como a idade das conchas,

o mar esparrama árias de espuma

e faz esculturas de momentos tão frágeis,

que, mal pairando no ar,

logo se recolhem em águas

que regressam, ágeis,

á intimidade do seu escultor.

O mar esvazia-se contra a areia,

e dela se colhe,

numa pulsação constante,

num vai e vem

que não é feito de ondas ,

mas de amor, feito devagarinho,

em fantasias de amante eterno.

Nela,

na minha janela,

vejo a terra ganhar o sal

de mil sabores,

explicar-se em cores

e iluminar-se de vida,

como se toda a natureza

pudesse saber que é ele,

o mar,

a raiz mais profunda,

a causa mais antiga, dela.

- e também dessa vida

que, hoje, eu vejo,

refletida,

na minha janela...