Serpente Sertaneja

Córrego correndo

Serpente se arrastando pelo chão

Córrego era rio

Encharcando o ventre do sertão

Chinelo de couro

Pés rachados

arrastando a solidão

Chocalho de bode

É sino anunciando

vazio no coração

Cabrito pulando

levantando poeira do chão

Caroço de seriguela

Umbu do mato

Engasgado na guela

No seco

Sem água

Sem ar

Sem palma

Sem nada

Nadica de nada

Prá saliva descer

Só sol

Graveto

Secura na língua

E na alma também

Corre o córrego

Serpente pessonhenta

Lama que escorre como baba

A desaguar na curva além

Não mata a sede

Mas tortura e acorrenta

prá gente não correr

Aqui não tem xamego

Ninguém sabe o que é amor

Se morre quando o sol nasce

Se vive, quando ele se for

No escuro se esconde a fome

A tristeza do olhar

Não se pensa se não vê

A feiura do lugar

Não tem campo

Não tem flor

Não tem mata

Nem passarinho a cantar

Se canta é só de dó

Um solitário curió

Não há lágrima prá enxugar

Só se chora se a chuva molhar

Não tem bicho

Não tem folha

Só o ar prá respirar

Não tem ano

Não tem mês nem dia

Prá não se saber a hora

Da tristeza se achegar

Córrego agora é serpente

Se enroscando pelo chão

Fugindo da morte certa

Pois tudo é caça da morte

No seio do meu sertão

Aziul
Enviado por Aziul em 14/11/2012
Reeditado em 18/11/2012
Código do texto: T3985024
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