O menino sem mundo
A minha rua era o mundo, quando chuviscada tinha gosto de chão e cheiro de terra molhada. Tinha piques, bandeiras, travessuras e anoiteceres mágicos. Na minha rua o ultimo garoto a sair sempre se despedia da lua. Lá aprendíamos com os papagaios coloridos sobre todas as marés de todos os ventos. Então numa manhã de primavera alguém mandou:- Tira esse moleque da rua e tranca ele numa escola! Ora bolas, foram anos e anos de muitas lorotas. E assim, quando voltei a minha rua não existia mais. Não havia moleques, nem piques e nem terra molhada. Havia um asfalto lutuoso de correrias e uma luz mercúrio que apagava as estrelas. Era um caminho negro de contra mão única que tínhamos para seguir, de gente estranha, desumanas e caladas. Cadê a minha rua que era o mundo, e que quando chuviscava tinha gosto de chão e cheiro de terra molhada? Cadê a minha rua que era o mundo? Paulo de Medeiros.