A loja dos sorrisos.
Hoje, vou comprar um sorriso,
nos saldos, na loja da esquina
da rua dos Postiços.
Já o tinha visto quando nasci
mas, na altura não tinha dinheiro para o comprar.
Quando entrei na loja, estava cheia de crianças
mais novas, umas, e outras mais velhas
do que eu.
Eu mal podia mexer-me,
escorregava nas lágrimas com que o chão tinha sido lavado.
À medida que me entranhava nos corredores da loja
afastava os lábios atractivos que se dirigiam para mim, mas
eram todos mais caros do que o sorriso que queria ter.
Era o Marketing que anunciavam na televisão.
O meu sorriso estava no fundo da loja, na secção dos sonhos adormecidos,
dentro de uma caixa de laje branca
com letras verdes que, a piscar , acendiam o meu nome -
aquele que não tinha, antes de nascer.
Tracei os passos no mapa, a sua direcção,
esmigalhei pernas, sapatos, corações -
uns a quem conhecia, outros que só os vi algures, uma só vez.
Passo a secção dos semblantes e gosto do mais aberto;
apercebo-me que era um desvio para que não comprasse o meu sorriso e
resisto à tentação.
Agarro na mão os espelhos dos meus anos , que trazia no bolso,
e parto-os com raiva nos dentes.
Na distância longínqua perdi muito tempo a chegar ao meu sorriso.
Como um rio que leva cheio o árido ventre de verão e a água fica fio no leito.
Alguém se tinha adiantado e estava com o meu sorriso, na mão, experimentando-o.
Não chorei logo, mas ajoelhei-me na voz da oração
e pedi a Deus que mo devolvesse.
Deus disse-me que era um engano dos anjos e que este ainda não era o meu sorriso definitivo.
Foi quando comecei a cantar palavras de humilhação.
A esperança esvaziou-se do meu balão.
Sei que não posso chorar, novamente, as lágrimas
que se perderam no fundo do queixo
quando saltaram para o abismo.
As lágrima são todas suicidas!
Encontro no mofo coração, o meu feitio de mula,
Com ele monto a mais alta montanha do mundo -
que nunca vi nem dela sei o nome.
Despi-a de gelo e de carne, enquanto orava alto,
mais alto que uma criança birrenta
mimada no colo do açúcar.
Assim, permaneci anos, para mim séculos, não sei, foi
até as nuvens chorarem e Deus também!
“foste ouvida!”- Disse-me uma besta, que me ouviu, com asas sem cor
oculta em muitos olhos.
(Iguais como os meus vendem-se na loja,
na rua das Águias Cegas).
Perto da loja do
suposto “Meu sorriso”.
Sorriso que acabo por comprar, em saldos, com o dinheiro da hipocrisia.
Hoje, finalmente, vou usá-lo,
e pensar que sou feliz.
Ana Mª Costa