LENÇOL RASGADO
Madrugada, chove.
Gotas caem espatifando-se
nas fitas isolantes de betume que
vestem as ruas, avenidas.
Tamborilam os telhados,
descem desgovernadas
cachoeirando pelas bicas.
Correm serpenteando pelas coxilhas,
alvoroçadas, esgueirando-se pelos
portões de garagens,
portas de casas em desnível.
Úmidas,
querem ser possuídas pela terra,
seca, no cio.
Há um cheiro de marmeleiros,
manjericões, ateiras.
A pomba-rola chama seu macho
a responsabilidade sexual.
Abandono a calçada,
caminho cômico, chapinhando pelo meio-fio.
Sinto estar rolando uma química
entre mim e a natureza.
Quero dizer, uma aquática:
não somos nós, setenta por cento água?