Envelhecer

Debruçado na janela vejo ela,

a vida rotineira e suas declarações.

Porções de dores e felicidades. Aproximam-se.

São memórias frágeis do que fui.

Do primeiro leite no seio materno,

ao gosto amargo do alimento mundano.

Mingaus do trigo e do joio

em papeiros velhos e carcomidos.

Era doce o dia de menino. Lembranças.

Correr entre arbustos e sorrir para o infinito.

A cada por de sol um novo renascer.

A noite e sua singela forma de descanso.

Dos amores que o destino me deu,

das vidas que de mim quiseram alento.

Da vida que não doei a contento.

E dos rostos que em mim marcaram traços.

Quantas coisas em tão pouco tempo,

e há tempos que não as sinto mais.

O bom vinho, a boa culinária,

o colo de alguém. Quem?

Minha janela não tem molduras,

assim como a vida que agora entrego.

Vejo entre os dedos as respostas

para tantas perguntas ainda em formação.

Uma pintura a óleo no pano branco,

a juventude se decompondo a passos tímidos.

Morrer. Um gesto único.

E a vida se refaz num infinito divino.

É o dom de Deus que nos circunda

e a certeza plena que nos movimenta.

Da janela ainda vejo, os restos desta vida

que não se define. Alinha-se ao concreto.

Vejo a derradeira morada com olhos mansos,

mãos que tremulam em atos penúltimos.

Um adeus de poucas falas,

simples laços, poucos e tantos.

Eis que o dia se finda

e para trás deixo minha trajetória.

Um legado parco de frases e consertos.

Dias de infinitas glórias.

Meus troféus na prateleira de algum desavisado.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 21/10/2011
Código do texto: T3289701
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