Envelhecer
Debruçado na janela vejo ela,
a vida rotineira e suas declarações.
Porções de dores e felicidades. Aproximam-se.
São memórias frágeis do que fui.
Do primeiro leite no seio materno,
ao gosto amargo do alimento mundano.
Mingaus do trigo e do joio
em papeiros velhos e carcomidos.
Era doce o dia de menino. Lembranças.
Correr entre arbustos e sorrir para o infinito.
A cada por de sol um novo renascer.
A noite e sua singela forma de descanso.
Dos amores que o destino me deu,
das vidas que de mim quiseram alento.
Da vida que não doei a contento.
E dos rostos que em mim marcaram traços.
Quantas coisas em tão pouco tempo,
e há tempos que não as sinto mais.
O bom vinho, a boa culinária,
o colo de alguém. Quem?
Minha janela não tem molduras,
assim como a vida que agora entrego.
Vejo entre os dedos as respostas
para tantas perguntas ainda em formação.
Uma pintura a óleo no pano branco,
a juventude se decompondo a passos tímidos.
Morrer. Um gesto único.
E a vida se refaz num infinito divino.
É o dom de Deus que nos circunda
e a certeza plena que nos movimenta.
Da janela ainda vejo, os restos desta vida
que não se define. Alinha-se ao concreto.
Vejo a derradeira morada com olhos mansos,
mãos que tremulam em atos penúltimos.
Um adeus de poucas falas,
simples laços, poucos e tantos.
Eis que o dia se finda
e para trás deixo minha trajetória.
Um legado parco de frases e consertos.
Dias de infinitas glórias.
Meus troféus na prateleira de algum desavisado.