O Dia de ontem
Andar descalços, pés na areia.
Curtir a brisa e ouvir o vento soprando aos ouvidos.
Ser menino todo dia e projetar a vida mais tarde....
Um milhão de filhos, uma esposa amante, devaneios.
Todo dia é dia santo, todo feriado é mais comprido.
É deitar na relva, brincar de polícia e ladrão
e sonhar com a filha do vizinho.
É ser o mais homem de todos, é chorar escondido.
Sorrir de qualquer bobeira, apelidar o colega
e cuspir mais longe e vangloriar-se por tão pouco.
A pelada no campo de barro, pés no chão,
calor, roupa suja, puxão de orelha...
Nadar em rios, roubar mangas, soltar pipas
e fumar escondido.
Ajoelhar-se diante de Deus, ouvir penitência
e logo depois, roubar a hóstia da missa.
Menino travesso, arte do diabo...
Criatura divina.
É ser feliz mesmo com os joelhos ralados,
é ouvir o sermão e não fazer o dever de casa.
É sentar na calçada e contar histórias de trancoso.
É viver cada dia como se fosse o último,
é mentir pra si mesmo e amanhã começar de novo.
Nada mais tem impulso a não ser o hoje.
– Mamãe já vem! A taca vai comer.
É ter certeza de que está errado, mas
se defender até a morte. Jurando, se possível.
Subir em árvores, colher frutas frescas,
andar por ai, dizer não e dizer sim.
Ser feliz, de novo e mais uma vez.
É cantar para o mundo e não saber de nada.
Depois de longos dias de meninice
é dormir o sono dos justos e ver a juvenília se despedir
a cada hora vivida.
Ah, se eu tivesse outros dias dessa fase mágica.
Juro, não pediria o dia de hoje.