NOSTALGIAS E LAURÉIS

NOSTALGIAS E LAURÉIS (11-2-11)

William Lagos

NOSTALGIAS I (11 FEV 11)

Vejo outra foto do jardim, sem ter

muito grande diferença com o de agora:

deste lado, nada foi mandado embora,

só uma que outra teve de morrer...

Porque a Natureza a quis perder,

simplesmente murchou, chegada a hora:

a maioria se acha igual a esse outrora,

folhas viçosas e flores a crescer...

Há vários anos, penso em procurar,

na enciclopédia, os nomes dos florais,

que aqui se expandem alegres para o Sol.

Mas vou adiando, por preguiça ou apressar,

e vejo apenas como crescem mais,

sem que as precise chamar pelo seu rol...

NOSTALGIAS II

Este jardim fica oculto entre paredes

e o Sol desponta diante de minha casa;

pela manhã, só luz difusa embasa

todo o viveiro dessas verdes redes...

No sol a pino, em que o calor não medes,

são protegidas por largura rasa

e nem o vento o crescimento atrasa

da formosura das flores que assim vedes.

Durante a tarde, desce do terraço

essa cortina diagonal, que albarda,

com seus arreios de ouro, este jardim...

Como se a luz do sol fosse um abraço,

enquanto se retira a retaguarda,

cujo calor eu não quis guardar pra mim...

NOSTALGIAS III

Mas as flores que me mostra este retrato

nunca recebem direta a luz do Sol,

que as ilumina, sem dúvida, em farol,

mas lhes permite manter algum recato.

E quando passo, com a cabeça bato

nessas glicínias de roxos amentilhos

e nos meus joelhos se esfregam verdes filhos

dessas lianas, a sussurrar boato...

Lá no alto, um pingente de metal,

que já agarrou alguns de meus cabelos,

preso num galho, ao vento deveria

girar e rebrilhar o seu cristal...

mas comunica tão só os seus desvelos

quando faísca alegre, ao fim do dia...

LAUREL I (11 JAN 11)

Hoje Calíope vestiu-se para festa,

num vestido de baile, verde e rosa,

com vermelho na base, poderosa,

em sua atitude de uma antiga gesta...

O braço ergue com a lanterna, lesta:

elétrica que seja, é altanerosa

essa lâmpada azul... Como é garbosa

a estátua imóvel que neste jardim resta!...

Toda de branco, embora de cimento,

é imaculado mármore, em pureza,

mais do que musa, é Flora, em seu vestido.

Padroeira do jardim, calmo portento,

na tranquila percepção de sua beleza,

um seio à mostra, da hera desvestido...

LAUREL II

Em seu vestido de baile, rodopia

a musa antiga, sem desarraigar

as plantas todas que a vieram circundar

e, de olhos baixos, castamente espia.

Um dos braços sua cabeça cingiria:

coroa de louros, como a colocar...

Seus cabelos abundantes a roçar,

branco carinho que os ombros revestia.

E as flores tumultuam, insistentes,

a seu redor, na multidão dos cachos:

animaizinhos de sua estimação...

Tornando-se ao redor bem mais virentes,

que os outros caules, erguendo-se mais baixos

do que esta luxuriante floração!...

LAUREL III

Já morta a Sete-Léguas, contra o fundo,

uma parede branca se derrama,

com meia dúzia de vasos, triste flama,

cujo esplendor era rosado e tão jocundo!...

E Calíope, sem ter rosto rubicundo,

semi-envolvida na hera pela trama,

talvez mostre desespero nesta chama

e não laurel, quiçá cenho iracundo...

Porque agora não tem sombra que a proteja

das tempestades, no inverno e no verão,

perdeu-se toda a guirlanda incandescente.

Mas quem chegar ao canteiro e assim a veja,

toda rodeada de fértil brotação,

quase se prostra ante a guardiã onipotente!

LAUREL IV

Não parece que as demais plantas reclamem,

pela expressão de tal fotografia...

Gozam a luz que antes incidia

da Sete-Léguas nas lianas que a recamem...

Algumas me parecem bem risonhas...

Há uma flor rosa, pentapetalada,

bem aos pés de Calíope mostrada,

contra o verde das folhas mais tristonhas...

E não sei se é a água do jardim

ou o calor do Sol, em efervescência,

ou o trabalho sem cessar da clorofila,

sua fotossíntese a dirigir, assim...

Mas tudo mostra plena florescência,

nesse vestido esverdeado em que desfila...

LAUREL V

E aqui confesso que, em plena madrugada,

diante das grades de meu quarto solitário,

já escutei certo rumor atrabiliário

e aproximei-me da janela escancarada...

Ao redor do chafariz, dança animada:

cada caule rodopiando, multifário,

no séquito de Calíope, autoritário,

sem se chocarem pela magra estrada...

Ela seguia à frente, o seu compasso

marcando com a luz da lamparina,

seus passos ágeis, passos de menina...

Vi nos canteiros o negror da terra fina,

sem que as raízes lhes deixassem traço

e o coração me ansiou por seu abraço!...

LAUREL VI

Desci as escadas então, empós magia

e abri em silêncio a porta da cozinha...

Mas ao verem que um humano se avizinha,

os vegetais farfalharam de ironia...

No mesmo instante em que eu a porta abria,

cessou o compasso que a meus ouvidos vinha

e bem depressa desfez-se a inteira linha,

sem se importar se eu duvidava ou cria...

Ouvi uma breve azáfama, um empurro,

mas o jardim sob a Lua se aquietou...

As luzes acendi... Vi tudo quieto...

As flores no lugar, sem um sussurro...

E após beijar Calíope, em secreto,

sem fantasia... Meu coração gelou!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 06/06/2011
Código do texto: T3017141
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