Cumplicidade
No redemoinho do mesmo sonho,
o caminhar da mesma trilha.
Por verdes dias, por entre espasmos,
na busca do mesmo tom
de inacabada sinfonia,
a vida nos fez dois em um.
Os pensamentos revoltos voltados
a um só tema.
O transe que nos levou à mesma agonia
não nos deixou na orfandade.
Nem os defeitos dos versos,
do inverso, da poesia,
nem o reflexo do tempo
e o furor das idéias,
nem os passos de uma mesma estrada,
coberta de razões, senões,
nos levaram a diferentes fantasias.
E vimos o sol surgir,
as árvores correrem em busca
do lugar onde fincaram suas raízes,
na mesma fonte onde à sombra nascem.
Cantamos em coro o mesmo canto,
choramos juntos o mesmo pranto,
e rimos de nós mesmos,
debruçados na janela que foi minha,
que é tua, que será dela.
Divididas as emoções,
repartimos nosso pão.
Envoltos no mesmo traço, o mesmo laço,
andamos na contramão,
correndo contra o vento,
como crianças perdidas
na escuridão.
Públicada no livro "Cúmplices" - 1993.Paulo Salles