Carro de boi

Se incomode comigo, não. Tô bem.

Só quero ficar aqui adjunto do sinhô e aprender...

Num sei fazer muita coisa, mas de bobo num tenho nada.

Vejo suas arte com a madeira, me vejo fazendo arte.

Sincomode, não. Eu num vô fazer alarido.

Minha idea é só de ficar, espiando. Aprendendo.

Vejo os movimentos do vai e vem, do toc toc de pregar.

Espio a cola, o ferro fundido, o fogo em brasa a queimar.

Se aperrei, não. Que eu tô quase lá.

Já sei o que faz ele cantar, é o peso que vai carregar.

Só não quero ser o boi, que ainda tem que apanhar...

Se aborreça, não. Tudo vai se ajeitar.

Vó Binoca já chamou, o almoço já vai chegar.

Hoje tem pato e tem arroz, feijão verde e pirão,

bolo de milho, broa e fubá.

Coisa boa de aprender é depois se empanzinar.

Hoje eu entendi uma coisa, pra modi de nunca esquecer,

no silêncio da oficina debaixo do pé de manga

vendo os braços fortes do tio a pelejar.

Ele sempre tão dedicado no ofício de carrear.

Matarruano, tem o nome do apóstolo corajoso do Cristo,

que a orelha do soldado quis decepar. É Pedro, é pedra, é rocha...

homem de fibra por aqui não há....

Um velho surrado pelo tempo, mas aprendido. De um tudo quis assuntá.

Se apoquente, não. O comprador já vai chegar,

a mesa tará sempre farta e nunca vamos chorar.

Nem de fome, nem de medo, do medo que a vida dá.

Se na força do boi puxando o carro a gente se inspirá.

A cantiga se arrasta na estrada, dentro de todo o canavial,

levando e trazendo a carga, alimentando o pessoal...

Da Forquilha à Mata Escura, do Bonito ao Litoral...

O povoado de minha infância, da infância dominical.

Puxava corda, buscava água,

lavava os coxo, alimentava os bichos.

Era bicho solto no mundo todo, do mundo que sempre tive.

Aprendendo a cada instante o valor de cada lide.

“Carrero novo, que não sabe carrear...”

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 16/03/2011
Reeditado em 26/05/2011
Código do texto: T2852051
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