Comitiva
Tocando o mar de boi
a gente sente que pode domar até o vento!
Nenhuma rês pode se perder,
senão patrão briga.
O olho tem que tá aberto
e olhando pra tudo quanto é lado.
Amâncio toca o berrante.
Os bois se achegam.
Parece apito de fábrica!
O sol tá castigando.
Abençoado seja esse chapéu!
Saímo de Botucatu já tem tempo.
Amanhã a gente chega em Aquidauana.
Ô caminhozinho difícil!
É chuva. Toró!
Não há cristão que aguente!
Vamo ficar que nem urubu quando chove:
pensando em montar uma choupana.
Edivaldo chamou o cozinheiro de zarolho.
Num sei quem contou pra ele e agora ele se vingou.
Quando foi na hora de comer pegou a gordura do fundo da panela
e colocou na comida de Edivaldo.
O homem colocou as tripas pra fora a noite inteira!
Cozinheiro é zarolho, mas é muito vivo, viu!
Atravessamo o rio.
Daqui pra frente é só rio.
Os jacaré ficam tudo olhando pra nós,
com aqueles olhozinhos.
Eles devem de tá lambendo os beiços debaixo d'água.
Juvenal, o Menino, ainda tá apaixonado pela puta de Miragem.
Primeira vez do moleque.
Diz ele que quando voltar vai levar ela na garupa.
Menino, a mulher é quenga!
Tá faltando poucos dias.
Mas to sentindo alguma coisa
É aquela coceira que sobe do final do lombo até o pé do pescoço.
Vem coisa por aí...
Peço pra Nossa Senhora das Neves nos alumiar.
Hoje comemo um tucunaré que Cumpadre Angelim pescou.
Não é que o danado é gostoso!
Quando tavamo atravessando o rio ouvimo uns berros.
Era um bezerro que uma sucuri pegou.
Ela abocanho o papo do bicho e começou a se enrolar toda na cabeça dele tentando derrubar o bicho n'água. Quando cai n'água já era!
Eu, Amâncio e Cumpadre Angelim fomo socorrer.
Pega de lá, pega daqui e o bicho gemendo.
A cobra já ia enrolando o rabinho na mão de Angelim.
Nós dava facada nela, mas nada. O bicho era forte.
Amâncio tava tentando soltar ela do papo do bezerro, mas não dava nem mais pra ver a cabeça do bicho no meio daquela maçaroca de sucuri.
Eu olhava pra perna do bichinho e elas tremendo, fazendo força pra não cair.
Não adiantou o coitado tombou no chão. Angelim disse pra desistir. Nós desistimo. O pior é que o bichinho continuou gemendo. Parecia gemido de criança. E nós deixamo ele lá gemendo. Deu uma pena no coração.
Compadre Angelim nessas horas fica pensativo, mas continua tocando a boiada. Na hora de jantar ninguém falou nada.
Chegamo na fazenda de Seu Euclides Barreto, homem de aperto de mão forte. Mostramo a boiada, falamo da rês que a sucuri comeu. O homem disse que já perdeu muita novilha pra boca de onça e sucuri.
Almoçamo na casa do homem. Tava com saudade de uma moqueca de peixe, viu! Depois da cesta partimo de novo, com as outras cabeças.
Compadre Angelim ainda tá pensativo.
Hoje passamo no rio onde a rês morreu.
Juro que ouvi o gemido de novo!
Mas não disse nada.
Toca o berrante, Amâncio!
Que é pra esquecer o que é ruim!
Toca a boiada, Menino!
Que eu quero chegar logo em casa e fungar no cangote da minha nega!