Fim de tarde
Veja você, o céu hoje está menos azul.
Uma nuvem marrom parece dominar os ares.
São marcas de sentimentos que se vão
e na poeira cósmica do eu incompreendido,
o firmamento as guarda, como que por recordação e culpa.
Veja você, a música não é mais tão bela
e os versos parecem sem sentido.
Talvez o nosso fim de tarde, hoje,
seja o de ficar em casa vendo a chuva cair.
Lágrimas de nós dois? Lágrimas divinas por todos nós?
Apenas um banho de Deus sobre nossos atos?
Veja você, nossos sonhos de infância
viraram realidades duras. O que era rascunho inocente
hoje é um concreto ruminante.
Se ontem éramos a querência de um amanhã perfeito,
hoje somos o retrato, em branco e preto, do que não queríamos.
Veja você, sobrevivemos a nós
e às curvas da nossa estrada desembocaram no vale das sombras.
Sentamos à beira do caminho e ouvimos nossos pensamentos a nos cobrar.
Veja você, a vida passou por nós e ainda que queiramos continuar
ela, a nossa vida, nos diz para ficarmos aqui.
É o fim de nossa saga.
Veja você, construímos um império na areia,
uma vida num pacto de convivência,
uma história sem prólogo, meio ou epílogo.
Veja você, é o nosso caso de amor.
O nosso único, e verdadeiro, caso de amor.
Veja você, nos vemos um ao outro em completo estado letárgico...
enebriados por medos repentinos e assombrações constantes,
recriamos a nossa lida como um coveiro em seu ofício.
Melancólico, indiferente, triste.
Eu finjo que a amo hoje e sempre
e a espero, de braços abertos, por toda uma vida.
E você...
Veja você, envelhecemos sem saber um do outro.
Veja você, um gole de vódica, um cigarro, e mais um por do sol.