A CHUVA BATE DOCMENTE NA JANELA

Ontem à noite

Houve um temporal

O país esta ao contrário

Mas eu estou bem

Nada me atingiu

Pelo menos nada de anormal…

A chuva bate docemente na janela

E estou abrigado

Numa boa e quente casa

Só não estou

Ao abrigo de mim

Mas essa é outra história

Há muito contada…

A chuva bate docemente na janela

E penso nas pessoas

Que se estão a molhar

Enquanto eu estou aqui

Tranquilo

E quentinho

À espera do jantar

A chuva bate docemente na janela

E na televisão

Passa um concurso

Imbecil

Que o apresentador

Ridículo

Para ter algum sucesso

Faz figura de urso

Mudo pois de canal

E está a dar uma música

Estival

Por um instante estou lá

E não aqui

Estou bem

Mas sinto-me mal

A chuva bate docemente na janela

E vêem-me à memória

Tempos antigos

Bem…

Não são tanto assim

São tempos

Onde da chuva

Não procurava abrigo

Antes fugia

Na sua direcção

Ignorando

Que já

Não era chuva de verão

Ignorando

Ou não me querendo lembrar

Que essa chuva feria, fere

Essa chuva

Podia-me constipar

Mas hoje

E para sempre

A saudade bate-me

Cada vez

Que uma gota beija o vidro

Da prisão de onde estou

Pois mesmo

Quando estou a conduzir

Tenho vontade

De deixar o carro

E de a chuva

Seguir

Para qualquer lado

Para qualquer

Destino indefinido

Pois eu sinto-me como ela

Sou de toda a gente

De toda a gente

Sinto-me amigo

Mas ao mesmo tempo

Nunca paro o suficiente

Para laços criar

Sou como a chuva e o vento

Que em qualquer lado

Posso andar

Sem deixar um rasto

Que não seja

Dos meus gestos

E quando calha

Um beijo

Eu gostava

Que só chovesse

Num local

E esse

É um dos meus

Mais secretos

Desejos…

A chuva bate docemente na janela