Lápide
Debaixo daquela árvore eu pensei em nós,
cultivei saudades e remoí (re)sentimentos.
Debaixo daquela árvore eu fiz amor contigo,
briguei com o mundo, desprezei verdades.
Debaixo daquela árvore eu escrevi um livro,
fotografei memórias, pintei sonhos, rascunhei o amanhã.
Debaixo daquela árvore eu ouvi das guerras,
das atrocidades mundanas, das violências gratuitas. Do homem.
Debaixo daquela árvore eu acreditei em Deus,
cuspi nos santos, maldisse a fé, escarrei vilepêndios. Praguejei.
Debaixo daquela árvore eu tratei da mente,
esqueci o passado, revigorei o presente, parei com o futuro. Chamei por Ele.
Debaixo daquela árvore eu casei de novo,
eu amei de novo, sofri de novo, morri por dentro.
Para o amor.
Debaixo daquela árvore eu contei histórias,
embalei teu sono, violentei meus medos, sorri de tudo. Queria abrigo.
Debaixo daquela árvore eu catei os escombros,
afastei as moscas, aparei arestas, escutei o silêncio.
Ele falava de dor.
Debaixo daquela árvore eu nasci com o sol,
cantei para a lua, decifrei segredos, sorri da noite. Escondi estrelas... cadentes.
Debaixo daquela árvore eu pausei o tempo,
eu me dei um tempo, eu fumei um cigarro. Eu tossi mentiras.
Debaixo daquela árvore eu fui cético,
niilista, dadaísta, sádico em mim mesmo. Contemplei o mal.
Debaixo daquela árvore eu banhei no rio,
sujei as mãos, impurezei a alma e só mordi os lábios.
Debaixo daquela árvore eu ninei meus dias,
minha vida, nosso mundo, sonhos e fracassos. Tudo e nada mais.
Debaixo daquela árvore, fictícia e imprópria,
perfeita e precisa, essencial e mórbida, fria e acalorada,
urgente e esquecida, necessária e maléfica, bem e mal,
enfim...
A árvore da vida.