DIAS DE INÉRCIA

É domingo de outono...

Chove chuvinha miúda,

Na janela embaçada,

Que a menina bafora,

E, alegre, desenha uma tela

Com seus pequenos dedinhos,

Pássaros, pipas e corações.

Preciso espairecer...

Esvaziar a mente turva,

Em meio ao torvelinho

Das folhas em redemoinho...

Viverei um dia de cada vez,

Lutarei pro pão de hoje,

Amanhã já é outro dia...

Penso a filosofia indígena,

Nossos sábios ancestrais.

Interiorizá-la em mim,

Pra que acumular riquezas?

Tudo tirar à exaustão

Do solo fértil, deixá-lo estéril,

Tão somente pra si?

Ah! Ser livre!...

Tecer o desapego

Dos apelos consumistas,

Da mídia invasiva,

Apenas se deixar ficar...

Assim como um rio, que

Suave, caudaloso, vai...

Dançar à luz da lua,

Deleitar-se enfeitiçada,

Pintar o corpo nu,

Colorida e alegremente,

O sorriso eternizado,

Banhar-se em verdes mares,

Plena de contentamento e paz.

Reteso em mim

Este imenso desejo

De ser apenas vivente,

Sem nada ser de repente,

Mais que uma índia faceira,

De cocar e penas e

Colar de sementes de açaí.

Rio com as gotas que escorrem

Na vidraça verde da alegre sala,

Sabiás encolhidinhos em seus ninhos,

Rolinhas cheias de liberdade.

Orvalhos, gotinhas, aqui e ali,

Vão caindo até o chão,

Esparramando-se pelo vão...

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Poesia publicada na Coleção 'Prosa e Verso', vol.4 - Palavras Azuis - uma bela Antologia -lançado em dez/2005.