ASSIM
Tive filhos,
homens, mulheres, amigos.
Tive até grana, cachorros e gatos.
Hoje tenho quase nada,
mas parece tanto
que até a mágoa se dilata
em meio a este pormenor do possuir.
Tive mãe, pai
e agora remonto lembranças infantis.
Quisera não ter crescido.
Quisera ter partido antes do envelhecer.
Mas, para isso, ainda há tempo.
Tive nome, sobrenome,
certidões, carteiras assinadas,
mas faltou-me passaporte
para partir e ir de encontro a nada.
Não choro pelos meus não "teres"
Estes me levam ao esquecimento que,
por assim ser, me serve de acalanto.
Não espero mais sinais
muito menos milagres das esperas
constangidas pelas faltas e demoras
sempre tão constantes.
Não espero absolutamente.
Já apanhei demais.
Apanhei da mãe, do irmão,
do homem, da filha, da amiga...
Só não digo que apanhei da vida
porque, se assim fosse, não estaria aqui.
Continuo à espera daquele soco no estômago
Do golpe misericordioso que me levará
sei lá aonde.
Ninguém chora ou chorará por mim.
Tenho a habilidade de fazer-me invisível.
Logo, não há quem possa lembrar-se da
minha leve e parda existência.
Gosto de ser assim amorfa
sem gosto nem cheiro que me lembre.
No domingo embaçado pela dor,
trago apenas o silêncio traduzido
em minhas pálidas cobertas inexistentes.
Quero que o frio faça doer os ossos
e que o meu ranger de dentes
triture os meus ouvidos cansados
das mesmas canções.
E, dito isso,
quero que tudo em torno de mim
seja inexpressível e sem cor.
Desta forma nada será visto
ou percebido por quem quer que seja
E eu, diluída neste espectro,
serei fantasma de mim mesma
sem medos ou assombros
que não caibam numa caixa de sapatos.
25-0ut-2009
19h30