Minha Cidade II
I
Perto da rua de cima
moram as putas de minha cidade
com coxas grossas e estrias enormes
são o terror das madames
que por ali nunca passaram
II
os meninos roubam balas
mais por vingança que por necessidade
e quando a carroça passa
todos sobem
são felizes...
III
No beco do açougue
cães mordem orelhas
uns dos outros
ou de porcos
ou de boi.
IV
Passa tranqüilo o funeral
do homem de terno branco
e olheiras profundas
ninguém chora sua partida
e a cidade cada vez mais calma
V
O pastor passa lentamente
com refrigerante e biscoito
apressa o passo
Chuva ardilosa...
VI
Prefeita passa apressada
não fala,não gesticula
contas, FUNDEBs, FPMs
tudo ao mesmo tempo
não precisa de eleitor
que não entende de contas...
VII
Doido varrido na calçada
baba, baba, baba, baba,
enquanto a chuva lava
VIII
Padre que nunca sai de casa
Sabe tudo que acontece na cidade
espreita, faz sermão, é feliz...
IX
Menino do picolé
cachorro sem dono
meninas sem calcinha
crianças sem futuro...
X
Todos passam
de um jeito ou de outro
tudo se acaba...
Puta,
Padre
Pastor
Prefeita
Picolé...
Tudo derrete no tempo quente
no tempo faminto
que a todos devora...
no tempo que marca calçadas
muros e paralelepípedos de minha cidade
e viram histórias
que ninguém conta, que a ninguém interessa...
e fica tenso no ar
um cheiro de história
um gosto de poesia
de saudade
de algo que se foi
ou quem sabe se existiu...?
e minha cidade vai sumindo
como se nunca houvera existido...
virando fumaça de fogo que se apagou
história que nunca mais se contou
XI
Minha cidade é um choro
que ninguém jamais ouviu...