Um Sudário Num Horizonte Sitiado
Aos poucos fui entendendo. Comecei a me desentender com tudo e comigo mesmo. Sabe o eixo, o fulcro, o centro nevrálgico? Então, comecei a pisar nebulosas, quase não existindo, a não ser como uma ideia desgarrada de um complexo sistema em contínua dissolução. As pessoas agora me olham, são-me estranhas, eu lhes sou estranho. Não reconheço mais os seres humanos. Em noites de caos desperto, tateio-me e não me sinto. Tenho a sensação de que me refugiei no arquétipo de um sonho que acordou para um pesadelo. Começo a me desentender, a mim e ao mundo.
Começo a Entender
A beleza sequer existe, a não ser como um reflexo das nossas paixões projetado nos outros, pobreza de nós mesmos.
Esboço - Plano Direto
A solidão nos restitui a identidade, pois nela dá-se o reencontro com a nossa própria raiz e, a partir disso, existimos, partidários do amor e da fúria imaterial que se concentra num vórtice.
Começo a Entender
Nunca fui mais do que um fantasma juntando os restos de um banquete podre, inquieto, esfinge para os que me cercam. Cobri-me de tantas máscaras que agora elas se afeiçoaram a mim, e eu luto para me resgatar deste cárcere em que olho o céu e não leio mais os vestígios de um tempo incorporado.
Começo a Entender
Tornei-me um estranho, um perene exilado, emigrante em plagas inóspitas, combatente de uma guerra espúria. Arrasto a bandeira rota de um exército senil, piso a areia sulfurosa de uma praia suspensa sobre um vulcão ressuscitado. Sinceramente, quando ergo minha mortalha contra o horizonte, ao fim do dia, dir-se-ia que sou um emblema. E a noite cai, indiferente a tudo.
Começo a Entender
Temos necessidade de afeto, carinho e compreensão dos nossos insolúveis conflitos. E para expurgar séculos de insônia afogamos a carne amaldiçoada no esquecimento venenoso de um coito, que, afinal, não é mais do que uma patética tentativa de nos prolongarmos além da matéria doente.
Epílgo - Plano Distorcido
Quando criança eu me lembro bem de jamais encontrar amparo em nenhum código preestabelecido e empreender fracassadas tentativas de doar significação ao circundante,mas sempre esbarrando nas limitações dos meus processos cognitivos e na falibilidade do material comunicativo, do qual eu me servia. Nunca que o mundo aparecia a mim de forma lúcida, definida, como aos demais. Erguia a face lívida contra o vento e lambia o espaço para dele extrair bons augúrios. Seu nome é Legião - sopraram-me aos ouvidos. Eu me expandia na esperança de encontrar, no fundo de uma gruta egrégia, uma vela acesa abrigada pelas conchas das mãos de um velho profeta de barbas brancas. Quando me perguntavam o nome - Eclipse - eu respondia e roubava a luz do sol para cobrir de esquecimento todos os espelhos.
Começo a Entender
Foi rápida viagem, murmúrio de brisa, rugido das ondas intrépidas, fogo no convés, corsários ao mar. Despertei de um delíquio. Quando ergui a cabeça fitei um deserto sem nome. Nele me reconheci. Reconheci o tempo, a água, o céu. Meus pés trôpegos recobraram o ânimo e eu parti novamente. Mundo, mundo grande, sem compartimentos...
Começo a Não Entender - A Hora é Agora!
Vagner Rossi