MINHA FUGA
Quero ouvir pelas manhãs
o mugir rouco dos animais
o coro cirandeiro das aracuãs
serpentear serras e ervais...
Quero colher bananas, caquis
plantar meus pés de alface
tratar macacos e quatis
viver com nenhum disfarce...
Quero trinar como os passarinhos
apalpar os troncos dos ipês
furar dedos com espinhos
dor menor que a dos carnês...
Quero ignorar o fim do mês
dos dias e horas, saber nada
ter uma amada sem porquês
e um siamês na almofada.
Quero plantar dálias, roseiras
o cheiro da terra intacta
gerânios trepando soleiras
goteiras orquestrando latas...
Quero sorrir como criança
e ter uma p'ros carinhos
dar a ela toda esperança
que ela espera tão pouquinho...
Quero o verde e o azul
matinando os horizontes
observar o cruzeiro do sul
e a água jorrando nas fontes...
Quero a lei da natureza
regendo pura, sem emenda
ter uma harpia por alteza
e um leão não sobre a renda...
Quero a rocha como parede
pra ecoar na ventania
na bica matar a sede
e no farfalhar, a melodia...
E se Deus ainda permitir
quero um pé de salseiro
com uma rede pra dormir
e sonhar meu sonho inteiro...