MINHA FUGA

Quero ouvir pelas manhãs

o mugir rouco dos animais

o coro cirandeiro das aracuãs

serpentear serras e ervais...

Quero colher bananas, caquis

plantar meus pés de alface

tratar macacos e quatis

viver com nenhum disfarce...

Quero trinar como os passarinhos

apalpar os troncos dos ipês

furar dedos com espinhos

dor menor que a dos carnês...

Quero ignorar o fim do mês

dos dias e horas, saber nada

ter uma amada sem porquês

e um siamês na almofada.

Quero plantar dálias, roseiras

o cheiro da terra intacta

gerânios trepando soleiras

goteiras orquestrando latas...

Quero sorrir como criança

e ter uma p'ros carinhos

dar a ela toda esperança

que ela espera tão pouquinho...

Quero o verde e o azul

matinando os horizontes

observar o cruzeiro do sul

e a água jorrando nas fontes...

Quero a lei da natureza

regendo pura, sem emenda

ter uma harpia por alteza

e um leão não sobre a renda...

Quero a rocha como parede

pra ecoar na ventania

na bica matar a sede

e no farfalhar, a melodia...

E se Deus ainda permitir

quero um pé de salseiro

com uma rede pra dormir

e sonhar meu sonho inteiro...

Vilmar Daufenbach
Enviado por Vilmar Daufenbach em 13/03/2009
Reeditado em 31/03/2009
Código do texto: T1484857