veludo

Delicado subterrâneo

malvas arrancadas na estação inerme

de dia me vi

transformado num inseto

nas noites recebo

notícias do homem que está morrendo,

esta noite sonhei

pela centésima vez

que minha mãe tocava meu rosto

que me repreendia brandamente

sonhei que os canteiros cultivados floresciam,

eu que me dispo do que fui

luto insone para ser o que sou

ainda assim, mesmo no calor das batalhas,

sou nada,

delicado subterrâneo

minha vida passou num lance rápido

eu que de fraco fui feito névoa

de névoa desabo qual chuva

como chuva

calado sinto

os céus instigantes de uma paisagem arredia,

hortelãs desencontrados

hora de tardes desfeitas

minha mãe tomava café às cinco horas

sem sorrir

meu pai caminha pela sala

sem sorriso,

delicada mágoa

abrigo como guardaria um segredo

nas pesadas retinas as orações

a luz, o som,

quando mais luto nas arenas do corpo

mais devoram-me feras, homens, idiossincrasias,

é pelos vales que caminho

regiões interiores desabitadas

delicado subterrâneo.