Os olhos da tarde
Essa tarde molenga está me seguindo,
espiando pela fresta descuidada, sinto;
quase toda a noite com sua trança calada
cobre a tarde, mas ela tem olhos de canto.
De qual estrela desabou ela adormecida,
tão peregrina perdida como eu, vagando
há tanto tempo em imensa transparência
de lua, escondida por cima bruma tardia?
Escapoliu das sombras quando a luz a fez
deslizar pelos tons da melodia alaranjada,
para me ver chorar com a face muito pálida,
debruçada na sua máscara, agora bonzeada,
já chama pela noite, que venha de uma vez,
com o seu manto negro acalmar-me a vida!
Quem teria sido esta tarde que me acalenta
nos braços, onde tamanha inocência dorme?
um veleiro abandonada no cais, que enfrenta
seu destino solitário na imensidão sem leme?
Ou a noite disfarçada, diante da porta abeta,
observando aquele que como eu se consome?
Desde sempre, as noites são tão claras, que nelas
há um deserto de praias, com olhos reflorescendo
sonhos falsos ao sabor de uma tarde de estrelas,
na unção divina vê-se a prata no alto enluarando
a floresta que reluz ingênuo e manso raio d’ouro;
e a longa e tranqüila tarde entardece mais um dia,
a mim, que não nunca a vi em tamanha harmonia!
Santos-SP-07/03/2006