ELAS DUAS...

Esperava-se que

em velhice tranqüila

fossem conviver entre si,

mas como uma vitória,

pode-se contar sobre elas duas.

Quem pareciam ser elas?

Mas que poderiam ser nós.

A história de tais

começa como outra qualquer,

através da vida

de qualquer pessoa,

a quem permitiu-se sonhar.

Existiam-se, conviviam-se,

tais como loucuras feitas por amor

ou troços virando pó,

daquele tipo de família aprendiz

às vezes desajustada e fechada,

onde a inteligência existiu somente para alguns.

Sabe-se lá, quem poderia ter dó?

Não precisava. Apreenderiam-se.

A primeira nasceu

sem saber ser pequena

sem mentalidade efêmera.

E entre acordes

que era um violão,

ou seria violino

debruçado num pescoço,

tocado suavemente

em tardes de domingo.

Em todos os meses do ano,

o violino e a moça chegavam.

Tocava, bailava,

cantava, era mulher,

sempre com o pai e amigo,

na bandinha da cidade,

tudo era novidade

quando em dias de festa...

Concorda e

confessa-se...de palpite,

que casou mandada;

ponto de concordância

para fazer a moça infeliz.

Má ação para a língua

dos ordenados/ordenadores

que dando ordens partidas

fingiam ser senhores.

Recurso interessante

poder captar sentimentos internos.

Conflito extravagante

ser personagem de um texto,

de caráter familiar,

por que não dizer peculiar,

para virar artigo de luxo,

no meio do mundo.

Aquela moça do jardim

transpôs idéias e inconformismos.

Transpôs segredos e silêncios

Teve uma filha enfim...

E não houve julgamento.

O mundo poderia dizer

que a pequena filha era de cupim?

que tinha pedrinhas amarelinhas

para feliz brincar?

Uma coisa a pequenina possuía:

vestidinho bonitinho

remendado

cruzadinho, mas sem lacinho

engomadinho.

Adorava na praça da cidade: os balões.

Não tocava violino,

mas tinha sorrisos de montão.

Fazia questão de ser diferente...

em aventura não temerária...

buscava a natureza então.

E ambas? Elas duas?

consideradas formadas,

culturais, esculturais,

letradas, pragmáticas

o que se conseguia,

era a sabedoria,

o que para um ser humano

nunca será demais e jamais.

Falavam-se,

no claro, no óbvio, no natural.

Na união...

Eram uma viagem estrutural...

Não pareciam

barcas furadas,

despojadas e jogadas em alto mar.

Navegavam sim...

de velas levantadas e estarrecidas

mas não perdiam o encanto.

Não existia a ociosidade do diálogo,

a tristeza do desolado.

Os vários olhares entrecruzados

eram um sulco brilhante no ponto negro do rio.

Não pareciam nuvens tumultuadas,

com sucessivas ameaças,

e com tamanha calma,

conseguiam acudir todas as

agressões e desilusões...

Num tom,

sobre tom

quase tom

relatavam os fatos maus e bons.

Elas duas...

duas vezes mais...

Houve momentos da separação.

Uma diz atropelando a razão.

“Terei eterna solidão”,

mas não quero ser demais,

pois não posso impedir

a marcha da evolução.

A marcha do chão divino

recebe cartas, à tardinha,

que nos mudam da noite para o dia.

Vá!!!"

E a outra levanta e brada:

"O que nos fazem mudar?

seria a voz da experiência?

ou as metáforas comparadas,

abreviadas e irônicas,

que não se deixam entender."

"A cada procissão de coros,

a cada opressão nervosa,

enterro parecendo festa,

brigas de touros na arena,

segredos contados e rasgados,

vence o amor."

A outra repete mergulhada em próprias verdades:

"a alma almejada é criada

como ser único.

A alma lavada

é passada em vitrine,

em teatro de revista,

e traz consigo sua marca;

e mesmo diferente,

não pode ser distante,

não depende de honras,

mas evoca sentido constante."

"Temos de ir.

Tenho que ir."

E elas duas...

mãe e filha...

se despedem...

“Cuide de você e não se afaste.

Elas duas...

a moça do violino,

daquelas tardes de domingo,

e a menininha do vestinho

xadrezinho,

sem lacinhos,

estão assim:

a história de tais

começa como outra qualquer:

através da vida

de qualquer pessoa,

a quem permitiu-se sonhar.

Maio de 1994.

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 24/08/2008
Reeditado em 12/02/2012
Código do texto: T1143091
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