NOITE DO SEM FIM

Claro que a noite veio e com ela o cobertor suspenso do medo.
Medo de nunca mais ver-te,
de não mais escutar as tuas palavras apenas digitadas.

A distância abateu o dia como a um animal no meio da selva.
E serviu para matar a fome de escutar teus desabafos,
teus anseios incompreendidos.

Comi a distância feito um bicho esfomeado,
mas nem por isso ela se desfez.
Transformada em alimento para apetite tão voraz,
tornou-se indigesta e sem sentido.

Agora, jogada à sombra de árvores frondosas,
minha alma carregada de cismas e abandonos
enfrenta o risco de ser devorada por olhos ainda mais famintos
que os meus a buscar o teu sorriso.

Quero atravessar o rio.

Sentar à sombra do silêncio e bordar com vento o teu nome
no teto da minha sala repleta de ausências.

Tua presença inalterada naquela foto antiga
parece desfazer o teu destino de agora.

Posso ouvir-te em tantas línguas,
seguir-te por todos os teus caminhos
idos e porvir.

Quero beijar-te a fronte que deitas em meu colo
e vigiar-te em sono de noites acalentadas pelo frio.

Nada há que não possa dar-te.
Nada há que não possa ser-te.

Confrontada com a caça da ausência,
encontro e firo com meus dentes ainda fortes
a incerteza das horas em que não consigo entender-te.

Era apenas para ser assim.
Nada mais que isso.
Perdi o controle da tua absoluta presença
e não sei mais como ausentar-te de mim.
Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 18/07/2008
Reeditado em 22/02/2021
Código do texto: T1086994
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