O barulho do barco
* Em homenagem a
João Cabral de Melo Neto.
O barulho do barco
Rompe o silêncio do rio,
Assim como o rio
Rompe a secura do Sertão.
É espessa a secura da terra.
E é espesso o silêncio do rio.
Porém,
Mais espesso é o barulho do barco.
As palavras gritadas
São em vão
Nada se ouve, tudo é silêncio...
Interrompido e produzido pelo
Barulho do barco.
A voz do motor do barco
Silencia qualquer voz,
Ou barulho.
Menos o próprio
Barulho do barco
A voz da gente desse lugar
É pouca: pouco se fala
– a natureza deve ter sua parcela de culpa...
Assim como as pessoas
Pouco falam e muito dizem
Com seu silêncio,
Também o rio, com seu silêncio,
Diz muito.
Por isso é espesso
O silêncio do rio.
Espesso como os morcegos da capela
Da Ilha de São Félix,
Às margens do São Francisco.
O sol, aqui, também é espesso.
Como o silêncio das pessoas,
Como o silêncio do rio,
Como os morcegos de São Félix...
Porém, mais espesso ainda,
É o barulho do barco
Que cala como faca,
No bucho da lâmina espessa.
De Lâmina só,
Pari como feixo de luz
Solar no sangue das pedras
Silenciosas...
Espessas
Qual o barulho do barco,
A voz do barco...
Ou como o grito de motor
Que há em toda alma
Que trabalha.