Morte em Vida
Quero morrer por um dia, talvez
por uma semana ou um mes,
para sentir a morte em vida,
a plenitude enfim atingida.
Será um sono profundo
sem os sonhos do mundo,
mais virtuoso que lindo
como não existe dormindo.
Estarei ao meu lado
em vigília sossegado,
a ouvir o que dizem os amigos
- e também os inimigos -
pois só falam de ti a verdade
depois que se deixa saudade.
Acima da lide mundana,
com a alma algo profana,
o que na vida não compreendi
entenderei cada qual de per si.
O mistério do amor engrandecido,
catalizado pelo ódio ensandecido
e a paz que brota dos conflitos
no descanso mórbido dos aflitos.
Deixarei para os da minha casa
fragmentos de uma obra escassa,
que não sejam peso, mas herança
vívida como olhos de criança;
não levarei comigo quaisquer fardos,
apenas alguns poemas rabiscados.
Se Aquele que ilumina o meu passo
de andarilho trôpego de cansaço,
depois disso assim o permitir,
voltarei ao mundo existir.
Mas com olhos que a essência
enxerguem, sem malevolência;
olhos que somente vazem luz
e a quem os mire de pronto seduz.
Para viver com uma força tamanha
em intensidade que o vivo estranha;
que a vida se torne tão grande,
sufoque a morte rondante
e seja de todo indiferente
estar-se morto ou vivente.
Brasília, 10 de setembro de 2002