Domingo
...sim, sou humano
e creio no divino da palavra...
em dias que meu tempo dura um mês
tendo a caminhar horas de desperdício
derramando tédio e alguma nostalgia
pelo calçadão mar-azul-de-incertezas
areia em suspensão...
minha opinião é irrelevante (e inalienável)
fotocópias de meus documentos
nunca me dizem quem sou...
(...)
e nuvens (que não são mais animais, coisas engraçadas, pessoas conversando ou tomando café)
anunciam o início de mais uma semana
máxima de 26°; mínima de 15°; sapatos molhados e que nunca secam...
as nuvens costumavam ser bem mais interessantes...
muitos carros passam pela minha janela
realmente muitos carros...
(...)
quase não temos silêncio por aqui.
É que não temos tempo pra gastar com essas miudezas...
é que calar é baixar a guarda
e há um cruzado de esquerda te aguardando em cada esquina...
e enquanto muitos homens morrem por ai
de fome, de amor, de bala perdida; numa boca, num morro como esse aqui próximo - a guerra civil que cultivamos dia a dia desenvolve capítulos mirabolantes atualmente! - lá no oriente médio, por um passo descuidado em uma mina terrestre
ou simplesmente por querer ficar em casa - que o Estado não lhes deixa em paz nem na hora da novela...;
de tristeza; de solidão.; por overdose; de velhice; de vida - morre-se de vida também...
enfim, enquanto muitos corpos e mesmo almas morrem neste exato instante
eu canso exercer meu ócio
ao som de "things ain´t what they used to be"
ladeado por uma taça de vinho - volúpia etílica -
tão cor-de-boca-que-quero-beijar
que a cada trago
transborda em mim um algo de êxtase e taquicardia...
e agora, da mesma forma com que deitei os olhos lascivos
naquele estranho ritual dos corpos lambendo-se
ao ritmo de um samba-rock
assim tão... suados, desejosos, latentes,
por explodir suavemente a qualquer momento
em meio a multidão plutônica...
dessa mesma forma,
deito-os, agora, sobre este emaranhado
teórico-científico dos livros por ler que
tenho diante de mim
e ponho-me a masturbar meu rude saber,
talvez não com o mesmo lirismo dos da semana de 22,
ou com a ginga dos dançantes que habitam as noites da Lapa
ou uma roda de carimbó lá pras bandas do norte distante daqui;
mas com a mesma ânsia pelo gozo...
o gozo eufórico.
O gozo cheiro-de carne.
O gozo cru.
Efêmero
fatigante e insatisfeito de querer mais...
sempre mais, sempre mais e mais e mais
e desmaiar ainda sedento às 4:00 da manhã
pra acordar quase sem força às 8:00,
tomar um café preto na padaria aqui embaixo
e chegar a inevitável constatação de que já
não se tem tempo pra nada...