Vingança

Mataram uma criança.

Qualquer criança.

Alguns pedem justiça,

eu quero vingança.

Estou farto de teses polidas

e das meias-medidas;

de tantos latidos

e de poucas mordidas . . .

- Ficou louco velho? Isto é demência!

Incitas ao crime, à violência.

- Não, não fiquei louco. Findou-se-me a paciência.

Pesa-me a consciência.

Sim, eu sei que serei preso, torturado e crucificado.

Mas também sei: estarei pacificado.

- É baixa vingança, velho.

- É sim. Mas poderei ver-me no espelho.

Talvez esse descanso seja vermelho.

- Velho, olha o que dizes:

Pregas a “Lei de Talião”!

- Não, moço. Eu só quero dizer não.

- É errado velho! Existe o Direito!

- Sim. Mas quem lhe sente o efeito?

-Velho, você não tem mais idade.

- Não, não tenho. Tampouco serenidade.

- Pregas, então, a tortura?

- Não! Nem a ditadura.

O que quero moço,

é algum alivio nessa secura.

O que quero "Drs°" e “ólogos” é pouco:

só a esperança

de que não se mate criança.

(Quero voltar a iludir-me

que viver é mais que fugir)

Veja moço, como se não bastasse a crueldade

que dispensamos aos animais,

pactuamos acomodar-mo-nos à impunidade

e fingir que somos gente civilizada.

- Mas velho, são questões econômicas e sociais.

- Não é não, moço. É a covardia dos currais.

Somos coniventes;

“politicamente corretos”

e covardes discretos.

- Velho, não se deve pré-julgar.

-Não! Não se deve.

Nem se acovardar.

É preciso agir,

necessário inibir,

o covarde delinqüir.

Há um ano foi o João,

há um mês foi Isabela.

E quantos, agora,

sofrem o martírio

que não queremos ouvir?

O que nos aconteceu?

Por que só esperar a Justiça de Deus?

Sejamos um pouco ateus!

Resgatemos a Vida.

Cuidemos de nossas crias

(que não pediram para nascer

e, menos ainda, para sofrer).

- Velho, é a miséria que tudo causa.

- É?

Olha moço, este escrivinhador

pobre sempre foi

e nunca se sentiu no direito

de ferir o Verbo ou o Sujeito.

Não moço.

A causa de tudo é que já não há Causa nenhuma.

Trocamos qualquer ideologia

pela cômoda covardia

de fingir indignação

e clamar por Justiça.

(enquanto se esticam as rugas

e a virilidade postiça)

Afinal, a criança é dos outros . . .

Não percebemos o quão poucos

são os que bradam. O quão loucos.

E somos poucos os loucos.

(Enquanto escrevo e você lê

quantas crianças sofrem?

Quem as vê?)

Com a idade moço,

perdi o medo das palavras

e de dizê-las.

Não quero (in) Justiça.

Quero vingança!

E torço para que o Estado

a faça sem tardança.

Este diálogo, possivelmente, foi entabulado na Grécia Antiga quando Medéia, ou qualquer outro, matou crianças indefesas. Qualquer semelhança com fatos atuais é mera coincidência.