O Olhar de uma Sabiá

O Olhar de Uma Sabiá

Acho que todos os que

alguma vez olharam,

com curiosidade e um pouco de atenção,

para os pássaros,

certamente se encantaram com

a Sabiá.

A laranjeira, o peito de um amarelo queimado,

ou a barreira, quase toda marrom bege claro.

Um dia, nas minhas andanças pelas cercanias

de Brasília,

comprei o pássaro e sua grande gaiola.

Nunca cantou.

Até tenébrios molitor, gordos, providenciava

para alegrar, com vermes do seu agrado,

minha sabiá.

Queria que ela mostrasse

seu canto para os exibidos canários, de nacionalidades várias,

que também criava e, principalmente, para

o arrogante roler,

que até remédio para manter sua cor

tomava, com rigorosa prescrição veterinária.

Esperava que a sabiá desmoralizasse

o excitado curió,

que exigia disco gravado, duas horas de audição,

dia sim dia não, com os cantares

dos seus pares das matas do norte, para

só então, cantar também.

Então, uma manhã, arrumando a gaiola da sabiá

prestei atenção ao seu olhar.

Um olhar de ódio como nunca vira igual

e nunca mais esqueci.

Constrangido, incomodado com aquele olhar,

terminei a limpeza, pendurei a gaiola

e me afastei.

No dia seguinte a sabiá estava morta, no fundo

da sua jaula.

Nunca ouvi seu canto,

jamais esquecerei seu olhar...

Sinto, ainda hoje, grande desconforto

quando ouço uma sabiá cantar.

Parece que, solidárias, me acusam,

instigando recordações,

provocando reflexões, me fazendo sentir

culpado...

Conseguem me afastar da beleza dos seus cantos

com a recordação de um indefinido algo

mal feito,

de um incompreendido mas

merecido ódio

expresso num olhar...

(Publicado in Gerúndio, Maneco Editora, 2007)

Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 04/05/2008
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