Só para os Insones
Só para os Insones
A lua, no seu total esplendor e despudorada beleza,
só aparece, assim, na alta madrugada.
Os que percebem os horrores, que acontecem de dia,
consolam-se com qualquer coisa que pareça bela.
Precisam, para continuar viver, de um pouco desta gratuita beleza...
Servem-se, então, da lua, velha de antigas poesias,
cansada de tantas canções,
mas que ali está brilhante, constante e fiel, esmaecendo as estrelas,
impondo-se ao silencio e à solidão,
recortando, com nitidez, as silhuetas dos prédios,
fazendo destacar algumas janelas acesas
como que lembrando a possibilidade de ali
estar existindo amor
ou dor
mas, certamente, o mais provável,
é que exista, acolá, outro alguém também insone, olhando, olhando,
tendo como consolo fugidio, a divagação,
a fuga consentida do real,
de que a lua é só sua e o ilumina com especial atenção...
Quem tem dificuldade de dormir,
(nem fumar pode mais – dá câncer...),
anda pela casa vazia, adormecida.
Vai para sala e se puder sai para o quintal. Quintal?
Não existem mais quintais, aonde se possa ir,
só os da minha infância, só aqueles que são guardados na memória,
como aquele quintal da minha antiga casa.
Ali, um dia, plantei sonhos e esperanças,
vinte e uma árvores, dez canteiros de flores e
um pé de margaridão...
Contemplar o belo misterioso faz bem...
mas nada descubro.
Reescrevo as intenções do que não havia escrito e volto para cama vazia,
tentando, uma vez mais, apenas dormir.
(Publicado in Gerúndio, Maneco Editora, 2007)