Quem sou?
Fico ali, imóvel, tão vazia,
o tempo todo, até o fim do dia.
Tão sozinha, esperando, olhando...
O jornal amassado que é seu leito,
o fogão de lata, inerte, apagado,
à sua espera, tudo do mesmo jeito,
sem brasas nas cinzas que ali estão.
A lista telefônica, seu travesseiro,
o orelhão solitário sem conexão,
sem sons, no silêncio por inteiro.
E, quando o vejo, finalmente,
nesse entardecer fico pensando,
se sua mente chega pura,
ou se vem ainda mais vadia...
Aguardando que ele me sorria,
sei então se comete a loucura
de fazer amor em sua poesia.
E nesse sorriso, no brilho em seu olhar,
contra si tanta emoção aperta,
brinca com estrelas, dança ao luar.
O céu azul-escuro como que se movimenta,
sua alma esvoaça, tão solta, toda nua,
e meu Poeta Vagabundo se liberta:
vem ser o poeta maior da minha rua.
Quem sou? Sou guardiã, sou sua...
E aqui estou: Sou a marquise desse meu poeta...
(para Paulo Roberto dos Santos, "Vagabundo, o poeta da rua", falecido em 03/01/2006)