Peixes Grandes, quem os pescarão?
Peixes grandes, quem os pescarão?
Para a Lourdinha e o Benito, que continuam, teimosamente, a pescar.
Hoje li nos jornais:
- morreu Santiago, aos 104 anos,
consciente e livre,
lá na sua Cuba, ainda ditatorial.
Santiago o pescador,
aquele que os turistas procuravam para fotografar:
- o lutador,
- o sempre viejo e o seu mar e o seu peixe grande...
- o amigo cubano de Hemingway.
Quem, agora,
pescará para nós os peixes grandes?
Agora que desapareceram
o autor e o seu personagem?
O tédio, a covardia e o cansaço impedem
de se ir, persistentemente, para o mar, o mar oceano misterioso,
fonte perene de vida, de aventuras, de sonhos e mistérios,
de inspiração para quem, mediocremente, vive em terra...
Não se vai mais para o mar, fica-se na praia a olhar, olhar...
não se vai mais para o mar
para “passar além do Bojador
indo muito além da dor”...
Navegar é sempre uma aventura,
“navegar é preciso, viver não é preciso...”
pescar peixes grandes, que se recusam a morrer,
é aventura maior ainda.
Se o mar está longe fica o desejo
insatisfeito, inquietante,
imenso, abissal,
sentimento ruim de compromisso não honrado.
Se o mar está logo ali
então é preciso ir. Não há como escapar ao chamamento...
nem que seja só para olhar...
Mas não se vai mais para o mar...
Não se sabe da terra se não se estiver no mar...
não se saberá dos céus também...
Quem vai? Quem vem?
Não pergunte muito, não insista,
não espere mais.
Saia à procura do teu peixe grande,
como Santiago o fez,
como Santiago ensinou.
Prepare-se para a luta com os tubarões
e volte sempre, nem que seja
com mágicas carcaças testemunhais, amarradas ao bordo do teu barco.
É preciso, oh meu Deus como é preciso,
que alguém sempre volte, que esteja a voltar
do mar,
causando admiração,
recordando antigas narrativas de coragem, de fé,
de descobertas maravilhosas, de determinação...
Narrativas de Ullisses , de Santiago...
Serás grande porque fostes lá longe - no mar
a pescar...
Os outros, os (sobre)viventes, irão te honrar...
tu e a carcaça pescada amarrada ao barco,
única testemunha do teu feito,
que basta, é suficiente...
Vá. Mais uma vez navegue e pesque sozinho,
exercite tua coragem solitária simplesmente porque alguém honrado
tem de exercê-la, como exemplo,
tem de exercê-la como testemunho, de tal forma que
a glória da coragem humana não desapareça, não seja esquecida,
e deixe de ser desejada e considerada dispensável...
Ela é necessária para vida, sempre: sem coragem, sem ousadia
não se vive, apenas se sobrevive.
Viver em terra firme é o normal, simples.
Viver no mar, do mar, é aventura permanente, é testar a necessária
coragem que distingue e eleva a pessoa à sua condição maior
de construtor da história...
A coragem de viver oferece as formas e as condições da sobrevivência honrada,
da esperança, de quaisquer esperanças...
da esperança de que alguém volte, constantemente, do mistério do mar
com uma carcaça de peixe grande
e um lance de heroísmo para narrar...
(Publicada in Gerúndio, Maneco Editora, 2007)