Minhas Estrelas
Minhas Estrelas
Há décadas entorto a cabeça,
até deito no chão para vê-las.
Prefiro a olho nu – com os binóculos elas tremem,
se perde o conjunto, não se percebem as constelações.
Sempre é o mesmo pedaço do céu que me cabe observar,
assim como se fosse o espaço de uma janela de prisão,
sem grades, ( as piores prisões...).
Já conheço bem este espaço, mas descubro, a cada noite,
novos pontinhos de luz, como que substituindo alguns
que ontem estavam lá, cintilando e já se foram...
Redesenho a ordem estabelecida, utilizando algo
que ninguém conhece mais – geometria descritiva:
projeto uma pirâmide, de base quadrangular, com Orion,
que vara o primeiro quadrante em direção ao segundo,
mas não sei o que fazer com as Três Marias...
Estico o Escorpião, quase paralelo à linha de terra
até transformá-lo num martelo cósmico,
mas não encontro uma foice em nenhum dos quatro espaços para, associando-os, iniciar
uma revolução sideral – seria o máximo...
Mexeria com o tempo, alteraria as marés, os plantios,
viajantes se perderiam nas suas rotas,
gargalharia dos astrônomos que não saberiam explicar
o que estaria acontecendo.
Um poeta pode - mesmo desvairado de solidão,
mesmo deslumbrado com a beleza e os mistérios do céu.
O poeta querendo pode tudo mudar
usando, como único instrumento, a tal de licença poética...
Faz uma grande confusão...
Não tão grande, como gostaria, porque, hoje,
ninguém mais lê poesias,
nem olha para as estrelas...
não percebe, sequer, que existem lágrimas escorrendo
na face oculta da lua...
(Publicado in Gerundio, Maneco Editora, 2007)