Uma Menina de Olhos Grandes
Uma Menina de Olhos Grandes
Uma menina de olhos grandes
magra, muito magra,
cabelos desgrenhados
sujos,
não mais que cinco anos,
linda como a minha netinha,
pobre como o menino Jesus,
com fome como tantas outras neste mundo,
me olhava com sua irmãzinha, que também remava,
num pequeno e frágil barquinho de madeira,
em volta do navio
lá em Breves, no Pará.
Esperava que jogássemos, do convés do belo transatlântico,
esperanças e guloseimas, frutas e dinheiro e sei lá o que mais.
Éramos uma amostra perfeita de tecnologia moderna,
também de opulência faceira de passageiros em férias,
uma evidência de esperança de um mundo melhor...
A curiosidade excitante dos companheiros de viagem,
com o espetáculo diferente, que depois poderiam narrar,
da aventura rápida e segura de interação com a miséria:
- vejam são tão pequeninos e já sabem remar...
- vejam são fortes, comem muito peixe que não têm colesterol...
- vejam são felizes: - nada como viver na natureza!
O navio seguiu.
A menina ficou.
A orquestra tocou, convidando os turistas para mais uma dança alegre,
ritual da nova religião, ordem e sistema,
daqueles que não precisam, para bem viver,
remar em volta do navio
e nem pensar.
O sorriso e a alegria descompromissada que sentem,
livres de quaisquer peias, prontos para conquistarem o mundo
com maracás, pistões e tambores,
protetor solar e filmadoras,
condons e travellers checks,
com o balançar sensual de ancas, seios e corpos inteiros,
num compasso pobre,
binário,
excludente,
eu sim - você não.
(Publicada in A Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)