Mulher Virtual

Mulher Virtual

Estou convencido que a mulher que eu amo não existe

não existe mais

nunca existiu

nunca existirá.

A mulher que procuro

perdeu-se nas exigências minuciosas da busca.

A mulher que eu amo não tem uma imagem definida

não é loura nem morena

não é alta nem baixa.

Seus cabelos são cheirosos, não sei se curtos ou longos.

Sei que suas pernas são esguias, suas coxas indescritíveis.

Como o mestre Khaiame diria:

“nos seus seios modelarei meu cálice preferido”.

Anseio pela suave penugem do seu ventre

enxergo suas costas bem marcadas e macias

de cima a baixo.

Sinto o gosto de seus lábios grossos

nos beijos que não cesso de beijar,

mal sinto sua respiração de menina dormindo

suas narinas num leve frêmito de prazer

suas mãos tocam levemente meu rosto, meu corpo,

num delicioso carinho.

Sua voz, seu jeito de ser

está perdida na multidão

na beira do mar

nas montanhas, no jardim.

Está perdida em todo o lugar

pois procuro

sem encontrar.

O trágico deste desencontro,

permanente,

são as exigências do amor.

Os culpados foram os poetas que idealizaram,

obcecados pela miragem

que também tiveram,

a mulher ideal dos seus versos.

Deixaram de ver as mulheres reais,

também lindas, desejáveis,

companheiras fantásticas.

As que existem,

as que têm mau hálito de manhã na cama

as que suam

as que dizem palavrão

as que envelhecem

as que se cansam

as que não querem

as que não querem mais

as que nunca quiseram

as que estão querendo conversar sobre o preço da batata

as que querem conversar sobre a novela das oito

as que querem cantar Chitãozinho e Xororó

as que querem dançar forró

tomar cerveja.

Ninguém mais discute Guy de Maupassant

ou Maine de Byrand,

nem se preocupam com a massa do neutrino

se o universo bang ou crunch.

Contente-se com conversa despretensiosa, amiga,

gostosa,

uma trepada rápida,

sem poesia

sem metafísica,

como dizia com precisão o querido Pessoa,

(por ser sintoma certo de “estar maldisposto”),

com a primeira que quiser conversar e dar

seja negra, loura ou morena

a mulher que finalmente encontrar.

Pare de procurar.

Aceite o mundo como ele é e as pessoas como são.

Deixe de ser exigente

não incomode mais as gentes com esta expressão taciturna

eternamente preocupada

beba

cante

fume

goze

coma o que vier à mesa,

despreze os colesteróis.

(Publicado in a Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)

Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 30/04/2008
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