Que Azul Sem-Vergonha...
Que Azul Sem-Vergonha...
Contou-me o filho do pintor,
que alguém perguntara um dia, ao seu pai,
Portinari,
que estava a pintar,
o porquê daquele vermelho, ali em cima da tela.
O mestre dissera:
“para tomar conta daquele azul, aqui de baixo”...
Vejam só – que azul sem - vergonha,
precisando ser vigiado pelo vermelho...
Fiquei imaginando na resposta sábia, simples.
Diz tudo.
Assim como as notas musicais, as cores são danadas...
Algumas são sem - vergonha mesmo, molecas.
Como o azul, o próprio símbolo do sonso,
que o vulgo chama de “come - quieto”.
Outras são safadas, como o rosa que por natureza e definição
é a cor da dissimulação.
Outras são sacanas,
despudoradas
como o amarelo
excelente para realçar uma agitação, uma confusão
exprime bem uma gritaria, aquelas que os antigos diriam
de baixo calão.
Na maioria as cores são caladas e discretas.
Uma, certamente, é totalmente desprestigiada:
o marrom.
O que fazer com o marrom? O que pintar com o marrom?
Nem cor de terra verdadeira tem!
O verde, sozinho, é vetusto em seus muitos matizes,
toma como testemunho as plantas e se diz esperançoso de que
tudo vai melhorar.
Mas se o sacana do amarelo por perto aparece, se se coloca ao lado
para o constrangimento do verde
logo tocam o hino nacional
e todos ficam de pé.
O vermelho, que o Portinari, o pintor, colocara lá no alto a vigiar
as demais cores,
o azul em particular,
é cor revolucionária, sofrida,
sanguinária,
esperançosa
atemorizadora.
Já viveu melhores tempos e foi,
nome de praça gloriosa,
símbolo de esperança,
lá em Moscou.
É difícil lidar com o vermelho.
Logo a maioria,
os brancos,
desconfiam das intenções
e sem discutir a justiça
do proposto
proíbem, prendem e batem
depois difamam
e combatem.
O bom mesmo é brincar com o arco-íris
contando as estórias do pote de ouro
falando das cores básicas
misturando-as despreocupadamente
como fazem as criancinhas, sem escola e ideologia,
para encontrar outras mais – que surpresas!...
sem precedência ou hierarquia,
sem disputas,
só alegria.
(Publicado in a Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)