A Música e as suas Notas

A Música e as Suas Notas

Querendo encontrar alguém que o escute,

o menino canta feliz

dizendo, atordoado, que descobriu

que as notas musicais estão por aí,

no ar

voando espalhadas,

no meio do silêncio,

prontas para serem tocadas,

cantadas,

é só saber juntá-las.

Aqui e acolá,

Lá,

as encontraremos soltas

pelo Cosmo afora, nas estrelas e

no Sol, também.

Fá-lam de um Ré-quiem

composto por Deus

há Mi-lhões de anos.

Uma primeira composição,

para chorar

com Dó

a angústia da vida,

o pecado das suas criaturas,

tão sofridas,

tão perdidas...

Antes de tudo ter acontecido,

sequer existido,

à procura de criar o belo,

- plenitude da ordem e do bem,

pobre imitação de Si,

já que nem Ele pode mostrar o infinito que É,

Deus criou as notas musicais e as aspergiu pelo espaço.

A primeira explosão criadora

abençoando o infinito com o som que produziu.

Gesto extremo do pressentido desencanto, impotente,

da irreversível Criação

da liberdade que libertara

com a consciência dada a sua criatura mais querida

aquela que logo, num primeiro instante,

Lhe iria virar o rosto.

O som cósmico do rodopio das galáxias

foi o que primeiro uniu

as notas musicais,

dispersas na quietude cósmica.

Depois as estrelas explodindo em luzes,

a terra contorcendo-se,

gemendo com os vulcões

no parto dos vales, planícies, florestas, desertos e montanhas,

e os ventos fortes zunindo, pejados de chuva,

inseminando ventres diversos,

todos ansiosos em parir formas de vida.

A seguir vieram os pássaros,

pousados na pauta dos galhos das árvores,

ensinando a cantar, docemente,

no ritmo do balanço dos corpos,

os amantes

enquanto descobriam o amor.

Despudorados e suados,

sussurrando alto, muito alto,

cada vez mais alto,

êxtases e juras eternas,

desilusões abissais,

cantaram e seus corpos, como cordas e sopros vibrantes,

fizeram soar as primeiras sinfonias.

E por fim as criancinhas também,

sozinhas, rindo ou chorando,

chamando seus pais

para brincarem de roda,

cantando a canção do menino que,

no início,

queria, apenas, chamar a atenção...

(Publicado in Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)