desnoitificação
sei tão bem da noite,
que posso afirmar:
noite sendo ela mesma,
aqui no Recife
não existe.
é, no mínimo,
uma irmã cujas feições
são semelhantes.
e mais:
irmã bastarda.
porque tem a lua branca
que passeia desocupada
pelo chão negro do céu,
tem as mesmas nuvens
que parecem calçadas
cinzentas,
e estrelas
que dançam ciranda
vomitando brilho
de tanta
embriaguez.
aí em cima, talvez,
seja noite,
mas aqui no Recife, não.
uma coisa por vez.
é noite assoltada
pelo dia
como se
o sol
se pondo
se
r-e-p-a-r-t-i-s-s-e
e deixasse um pouco de si
em cada poste:
servo do dia
que nunca adormece.
desnoitificam a noite,
mas só no Recife:
porque em mim
é noite sempre
tão anoitada
que nunca amanhece.