OS PÉS ESQUERDOS
há falta de ti
quando a noite tarda,
árdua,
sem nenhuma mesmice
ao mostrar-se pro silêncio...
há uma falta de ti
- até involuntária -
acidental,
quando, sem sonhos, a noite caí
na profunda dos silêncios...
há duas faltas de ti
quando a manhã tarda,
algoz,
com esperança de ruas
bêbada como todos os andares
das sombras
vestidas de noite.
Quase nada importa!
O importantíssimo, agora,
é o corpo em falta,
sem suores, temores ou escuridões,
em jejum do corpo dormido
que acende luzes sem tanta necessidade,
que come de tudo que há na geladeira.
De pé,
num sobressalto,
ponho o inconsciente pé esquerdo
no chão esquerdo, ao acordar a cama,
certo da falta do pé direito do outro corpo
a deixar-me uma sensação de nada e coma.
A falta de ti é incontável!
Mas resta, ainda,
uma terceira falta de ti,
- partindo ou chegando -
enquanto, na madrugada, chuvas desabam
chorando estrelas
cadentes, cataclísmicas ou companheiras!
Até sobrar-me a quarta falta de ti
- a mais absurda, talvez -
com desejos da tua voz de antigamente:
pausada, carinhosa, encorpada, sensual,
da menina em rubor ou da mulher depravada.
Amo-te em silêncio,
mas deixo-te falando pelos corredores;
reconheço, daqui, teu andar afobado
de passos de chagada,
- rápidos -
com uma louca vontade de vir inteira
sem que a quinta falta chegue
às fronhas com monogramas
ou ao sono a dois sob a cobertinha barata
- lado a lado -
como se não tivesse havido noites, manhãs,
pés frios ou madrugadas
durante tua ausência.
Descobertos,
nossos pés esquerdos
- conscientes de tanta falta -
acham que a manhã é cedo demais para o primeiro
passo do dia.