BALADA FEIA

Marina,

desiludida,

passou a escovar os dentes

uma vez só ao dia;

custou-lhe isso

a banguelice

e, apenas, dois dentes da frente.

(apesar de nada falar de ninguém)

Marina,

desesperada,

passou a pentear as madeixas

muito raramente;

custou-lhe isso

desgrenhice

e uma calvície rara em mulher.

(apesar de saber da cabeça bem-feita)

Marina,

desleixada,

passou a suar intensamente

o desamor

antes de bem-querer

a si mesma;

isso lhe custou

divórcio para com desodorantes e perfumes,

para com a gilete já sem uso,

sem mais cuidados,

com os pelos a saltar-lhe pelos flancos do sovaco.

(apesar de querer-lo nu em pelo em seus abraços)

Marina,

envergonhada,

com a porta fechada do quarto,

passou a chorar

- agora só –

a comer e dormir, a dormir e comer,

ao som de canções antigas

que mal fariam ao seu lembrar,

e dela: tanto esquecer!

Marina,

deslocada,

ao invés de sentir-se abandonada,

deveria ter de casa saído

em busca da espera

de um novo amor

que lhe devolva o habito

das escovas de dente, de cabelo,

de outros perfumes e gostos musicais.