SAL E OBRA

SAL E OBRA

Uma tarde alçada à manhã,

Uma tarde feaciana,

Quando o verão principia a perder a memória

Por entre as floras e as flores do meu jardim,

Sol e obra,

E Perse tece...

Profundezas, águas negras...

Ah, o mar arde em mim,

O mar queima em nós, em ondas gencianas,

Sobre todas as margens da tarde cadente...

Reler meu empoeirado “Salambô”: _ Le mot, le mot!

Le mer de Flaubert,

O estampido no ouvido,

A ardência na língua

A cada vaga por vir,

O ritmo das vozes:

Sobes-e-deces

Vai-e-vens

Das espumas salobras,

Sal e obra,

Saint, Saint, Saint Rimbaud!

E o mar martelando

O alvoroço das águas nas pedras, nas falésias,

Ó mar, pista dos deuses!

Mais um passo... arrebentações, Safo,

Ó trama verde!

Ó drama azul!

A flauta d’água de Poseidon,

Som e fúria,

“Mar Textual”,

Painel flutuante dos nossos livros já lidos, queridos...

Arme

Talhar um quartzo

Amers

Corrente marinha

Vidente

Mar e

Mal

Arme

Salut

Amers

“Navegamos, ó meus diversos”

Aimer

Armes

et

Les vers

Sonhos gerando monstros de mármore negro,

Talhados, imensos, calculados, ó desatino, ó êxtase místico...

Ó céus ultramarinos,

Vinde a mim, Saint John,

Le saint des saints des vers!

“E meu amor está sobre os mares! E meu ardor está sobre os mares!...”

Delos, a ilha flutuante,

Calmaria, faróis, luz, luzes,

Lucidez,

E logo o evadir da tarde... ela chora os seus deuses,

Lágrimas e salvas desabam no horizonte

Do presente poente

E às margens do meu corpo afloram

As dores e as flores

No silencioso e ocioso

Jardim.

Prof. Dr. Sílvio Medeiros

Campinas, é outono de 2007.