SEGUNDA, PRIMEIRA PÁGINA
No jornal da segunda-feira.
Um corpo nu, de bruços e com banca,
na primeira página do pasquim matutino
desencarnou na avenida dos leitores curiosos.
Um corpo nu.
Ninguém teve coragem de vê-lo de frente.
Rosto no chão: sem pau, boceta ou aliança,
como alguém poderia saber qual foi o motivo
do desatino das balas que atravessaram o crime
e transformaram o amor em uma arma de paixão?
Um corpo nu na primeira página.
Nem a foto teve coragem de mostrá-lo de frente.
A humanidade em sua volta, conformada e isolada,
evita revelar se sob o bruço mora um seio ou um bico,
evita comentar o contorno sutil em meio às suas pernas
enquanto a repórter, enfática, destaca a bunda esparramada.
Eu, assustado, abri o jornal
como abro os olhos da segunda-feira.
Senti o gosto do dente quebrado no asfalto,
o sangue, numa alusão irônica ao beijo partido
em estado de graça sendo estancado pelas piedosas
mulheres que salvaram uma alma com um só telefonema.
Eu sou aquele corpo vestido
de morto e em destaque na foto
daquele pasquim das segundas-feiras.
Morri imprensado numa foto do jornal.