Contrastes [ Vivências de Mim ]

Meu nome abriga dois animais

Um deles, voraz. Feroz predador

O outro desliza em águas tais

Com seu encanto arrebatador

Vesti o cadáver de um amigo

Lavei seu corpo com perfumes

Atravessei noites escuras

E outras acesas de vagalumes

Valsei nos salões das elites

E dancei funk na periferia

Cedi meu ombro às meretrizes

Tristes damas que choram de dia

Meus olhos já se deslumbraram

Diante de esplêndidas pinturas

E minhas mãos quase tocaram

As mais famosas esculturas

Já banhei um bêbado sangrento

Localizei e tratei-lhe as feridas

Protegi meus afetos com unguento

E alterei algumas tantas vidas

Caminhei nos jardins de Versalhes

Sentei à mesa de meus inimigos

Deixei a pele em muitos lugares

E pisei leve em persas antigos

Já bebi da pior aguardente

E do mais nobre vinho francês

Adentrei em barracos deprimentes

E no suntuoso castelo inglês

Já caminhei por sobre esgotos

E voei sobre a neve mais branca

Viajei em trens sujos e rotos

E no que cruza o Canal da Mancha

Já corri numerosos riscos

Senti o brilho do affair em Paris

Desdenhei das ofertas dos ricos

Beijei somente as bocas que quis

Voltei ilesa de um sequestro

Mas sei do frio da arma na testa

E por isso sempre me presto

A destruir o arrepio que resta

Já descartei conselhos de sábios

E doei meus ouvidos aos loucos

Desvaneço na urgência dos lábios

Mas vivo eterna, assim. Aos poucos.

Sou Muçulmana, Judia e Cristã

Hare Krisna, Palestina e Budista

Seja quem for, que me chame irmã

E que Deus abençoe essa alma mista !

[ Sou em mim assim, vária. Transito em quaisquer níveis.

Entro em todos os lugares. ]

Claudia Gadini

02.01.06